quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

João: de bombojaco e touca

Vindo dos vales do Encantado, nas quebradas do Taquari, Joãozinho é um conselheiro do amor. Obviamente o crédito vem devido aos infortúnios que seu jovem coração vivenciou pelos serenos da noite, vida a fora. O peito é como um passaporte cheio de vistos internacionais. Rapazito rodado. Feito pela mamãe enquanto ouvia Barry White com o papai.

Apesar da origem do campo, o João é carregado de um sotaque paulista inexplicável. “Manow, ciiiiinza, ‘te liga, meo’, poricrê”, são alguns dos verbaletes do dia a dia deste marajá da psicologia. Diz que ouviu muito Racionais na fase em que brotejavam espinhas na sua testa e isto influenciou o seu linguajar Zona Leste. Se formou e fez mestrado em psiquê. Em cinco minutos de papo, se acaba no divã do Jão. É inevitável. Ele é a prova viva de que todo psicólogo é um maluco de BR que compactua a serviços dos devaneios tortos dos seus semelhantes.

Promovedor dos pensamentos livres, João não quis ir na famosa Festa a Fantasia, em 2002, que ocorre todo ano em Lajeado. Sua namorada, na época, resolveu ir sozinha. Se vestiu de Rapunzel do crime, caprichou nas tranças, deu beijinho e abandonou o rapaz. Jãozito confiou no seu taco velho e ficou em casa jogando bolita e tocando a Claudia, sua guitarra.

No outro dia encontrou uma foto de sua amada no colo de uma tartaruga ninja. Sim. A decepção foi tamanha que ele rompeu a relação e não quis papo. E não bastou ser uma tartaruga ninja comum, morar no esgoto e ser aprendiz de um velho rato, era o Michelangelo, o mais fanfarrão entre eles.

Quando fica bêbado, o que não é tão raro, costuma ficar apenas com um olho aberto. Aí não fala muito, mas fica na espreita. Urubuservando. Quando concorda com outro borracho apenas aponta o dedo em riste e concorda com a cabeça. Como quem diz “Eu entendo sua dor, meu jovem”. Guarda um lado sambista no fundo da guaiaca que se revela espontâneo nas nights. Chora no cavaco, dança de olhinho fechado e até canta feito um periquito da Mangueira.

         Dado à sabedoria, expertise e sex appeal das quarentonas, João investia fortemente na sua vizinha de janela. Desenvolveu 32 maneiras de falar que estava calor, 18 para descrever como estava frio e 9 maneiras de explicar o lado promissor das primaveras. Um dia foi convocado para ajudar ela a carregar uma TV de 50 polegadas. Chegou no seu apartamento e viu a chaveta da felicidade em sua frente: um DVD do Procurando Nemo. Explicou pra gata loba o quanto gostava de desenho animado, compartilharam toda obra da Disney.

         Não demorou muito e João já havia pescado o Nemo da moçoila. “Gastei o batom”, diz ele se referindo a sua piroquinha. Durante a entrevista, pra este modesto texto, ele tentou acionar a quarentona de novo. Mas não teve sucesso. Segundo fontes, ela tá sempre engatada n’outro lance. “Sou um diblador, às vezes dá certo”, explica.

         Sua calvície iniciou aos 16 anos. Mas isto não lhe incomoda. “Tu não sabe o que é ficar careca. Mas depois da cena com a tartaruga ninja, isto é como um brinde. É difícil algo me abalar”, relata. Recentemente teve a namorada mais legal de sua vida. Segundo ele: bonita, inteligente e boa no tantra. Mas não quis levar a diante. Um psicólogo realizado passionalmente é muito contraditório. O lance é sofrer de amor empiricamente pra dar conselhos “Me dê motivos” pra outrens.

         Dia sim e dia não, o Jão vai vivendo assim. De bombojaco e touca. Protegendo a moleira do sol e do frio. Um diblador nato. Um psicólogo doidio em auto-tratamento. Analista dos corações partidos em Porto dos Casais. Um careca de saber com barba e ex-namoradas. Alérgico a tartarugas e mertiolate.

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