sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Chahin: o Ney Matogrosso do Banrisul

Relutei o máximo que pude, mas a entrevista começou com o Ney Matogrosso do Banrisul me trazendo um caneco de Jack Daniels, lôco de especial. Dei duas bicadas e pedi pra ele se maquiar. “Mas não me vem com esta, tem foto minha maquiado de tudo quanto é jeito, pega uma lá e deu”, respondeu o rapazito mais Molhado do que Seco.

O que poucos sabem é que o Daniel Chahin é cantor do coral do Banrisul. Entre barítonos, sopranos e contraltos, seu tenor reverbera nos tímpanos mais requintados. Vai do gospel até as cantigas dos nossos pampas. Pode parecer careta, mas é assim que os campeões treinam seus vibratos, suas técnicas mais auspiciosas e o imaginário de um rockstar.

A jornada começou com seu tio Pedro, um sobrevivente dos anos 80, lhe mostrando sua vasta coleção de discos de rock durante a pré-adolescência. Quando moleque 13, o Chahinzêra ouvia Legião Urbana, sabia cantar todas, pintava uma barba postiça fechava o olhinho e encarnava o Renato Russo. E cantava. Cantava sem sentir que estava cantando.

A barba foi ficando verdadeira com o passar dos tempos e ele foi indo pro metal. Começou a curtir as gorduras dos drives, cabeleiras ao vento e roupas de couro. Foi indo de uma banda pra outra. Um cabeludo lhe ouvia e lhe convidava pra uma banda com cabeludos melhores. E assim foi seguindo o baile from hell.

Numa desventura do destino, foi expulso de uma banda, a extinta Papudos. Ahhh, mano do céu. O Chahin ficou puto. Tinha voz, gana, postura e ouvido cru. Além disto, tinha a cabeleira de metal mais pomposa e cheirosa do ramo. Não dava pra ficar barato. Começou a estudar música na Academia do Miranda em 97. Aí o gogó começou a ficar precioso. Primeiro recebeu um banho de cobre, logo depois bronze, prata e recentemente foi banhado a ouro.

Passava horas e horas na Banana Records ouvindo tudo que podia. Nos tempos de MTV, olhava as camisetas da rapaziada from hell e ia atrás pra descobrir novas bandas. Entre nomes pingando sangue, simbologias do tinhoso e bafomés dourados ele foi ficando maroto no metal. Imbatível.

Mas o que mudou suas madeixas, a forma de pensar música, de cantar e de virar homem e lobisomem foi quando achou perdido na casa do tio o tal disco dos Secos & Molhados. Gastou umas 15 agulha de vitrola, de tanto que ouvia. Levou pra gurizada da Moonlight, sua antiga banda de metal, e eles também piraram. Não demorou muito e as perucas foram ao chão. Montaram a banda El Rey em 2010 e começaram a fazer shows. As primeiras maquiagens baratas escorriam com o suor da rapaziada feito corretivo líquido. O som impecável.

De pouco em pouco foram investido aqui e ali e despertaram a atenção do Gerson Conrad, um dos membros fundadores do Secos & Molhados. O Chahin começou a se atucanar mais e mais com a balança. Começou um regime cousa muito séria. “Já viu Ney Matogrosso barrigudo e pelado? Não, né? Então”. Do colágeno ao sushi light ele alcançou a meta.

      Foi apadrinhado oficialmente por um Secos & Molhados legítimo no Programa do Róger, na TVCOM. Não é pouca cousa, viu? Ele veio e até então já fez 2 shows oficiais com a rapaziada da banda El Rey em teatros lotados. Chahin foi elogiado pela voz, figurino com penachos na cabeça e até pelas danças com a coxinha de fora. No Banrisul ele é sucesso absoluto. Uma referência cultural do pop legítimo. Faz sucesso com as gatas. Até com os gatos. Mas aí ele dispensa.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Piça: filosofia de vida

        Esquece tudo que já ouviu falar sobre método De Rose, Dalai Lama, Carlos Drummond de Andrade e afins. Rasgue a carteirinha do clube dos punheteiros e pare de se preocupar com o óbvio. O lance agora é PIÇA, Filosofia de vida. Não pense que é de menta. Chupe que é de uva.
Os raios moralizadores tem efeitos bem piores que os ultravioletas. Fazem mal pra pele e pra coluna. As balizas do nosso sistema ditam o que é felicidade. O consumo torna o sexo em fator de hierarquia social. Aprisionamos nossos corpos em estigmas e expectativas terceirizadas. Sejamos o prazer independente do que aconteça. Piça pro resto.
Estamos pasteurizando o bonito. Que feio. As competições de beleza já são tão comuns que assistimos elas enquanto comemos sucrilhos. O amor se tornando num comercial de cerveja. Que coisa fajuta. O amor não foi feito pela estética. Nasceu para conjugar os verbos. Mais do que isto, é uma ameaça verbal. É pau, é cu, é buceta. Afinal, o amor é lindo.
Somos trancafiados em nossas próprias babilônias interiores. Sejamos o subversivo, o improvável e o inóspito. Temos que inserir o PIÇA no nosso dialeto. Piça é um estilo de vida.             Quando questionado sobre algo que é bom pra si e não prejudica ninguém: PIÇA. Ser bom pra si é ser bom para os outros. Piça, piça, piça. Piça é um amor que passa bem. Não é a piça de todo mundo que voa.
Liberdade não é consumir, é construir. É coragem. E no mais, piça e grelo duro pros que não gostarem.


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

PT: do inacreditável ao inacreditável

       A Dilma foi tão bem na campanha do PT, nas Eleições de 2014, que no final da disputa o próprio Bottini, do Shoptime, se reuniu com a presidenta e convidou para entrar no seleto time de vendedores da empresa junto com sua equipe de marketing, se caso não fosse reeleita.
     Ao contrário do que pregou no segundo turno, ela assumiu o mesmo programa econômico dos tucanos. Dilma começou 2015 promovendo medidas de ajuste fiscal e "retirada de direitos". Foi toda de madrinha no casamento da Katia Abreu, a ministra da agricultura que afirmou que no Brasil não se tem mais latifundio. Agora a pouco apostou no Bendine, o técnocrata do capital financeiro, pra ser o novo presidente da Petrobras. 
       Hoje vi um amigo dizer "Pra quem tem dinheiro tá fácil demais". É vero, homi. O Eike Batista, a Graça Foster, o Paulo Roberto Costa, o Renan Calheiros e tão pouco o Lula, jamais serão de pobres novos ou pobres de novo. Nem o FHC e nem o Chacrinha se estivesse vivo. O que está em jogo hoje é acima de tudo uma disputa de memória, como no Antigo Regime. É preciso não apenas matar o conjurado, é preciso expor seu corpo esquartejado.
Aqui nas terras tupiniquins a gente poderia dar educação de qualidade pros nossos bacuris e bacurias com os royalties do pré-sal. Seria o fim do ciclo de uma dominação escravocrata. Mas para que os escravistas do século 21 ganhem a parada, é preciso destruir a possibilidade de os trabalhadores fazerem melhor que os seus patrões.
  O PT surgiu do inacreditável, no inícios dos anos 1980. Sabemos bem o por quê. Até a Elis Regina fazia shows e mandava sacos de dinheiro pro Lula financiar as primeiras reviravoltas de greves no ABC. Agora o PT trincou e está rachado. Muitas alas e facções. Diminuiu-se os quadros e aumentaram as agremiações. Isto me lembra uma vez que fui assaltado aqui em Porto Alegre. O cara me roubou cento e poucos pilas. Me devolveu vintão e disse "Pra tu não ficar achando que eu sou mau". Quase dei um abraço nele, tamanha benevolência.


sábado, 7 de fevereiro de 2015

Ricardinho: galo cinza das maresias

 Moleque de praia, tinhoso das ondas pesadas e tubulares, Ricardinho era um especialista do surf. Bateu nomes como Kelly Slater e J.J. Florence. Mais do que “da Guarda”, o bichinho era “a Guarda do Embaú”, bandeados de Palhoça, em Santa Catarina. Chamava o pequeno vilarejo de “Pedaço de Céu” e defendia a preservação feito um galo cinza das maresias. No dia 19/01, foi vitíma da ignorância e intolerância vinda do lado de quem deveria pregar justiça e segurança: um policial militar.
Conversando aqui e ali enquanto peregrinava pelas areias da Guarda do Embaú, na última semana, fui conhecendo a fama do Ricardinho por suas quebradas. Tinha amigos em todos os cantos. Tudo e todos. Dos mariscos ao Paulo Zulu. Gostava da cuca e da torta de banana da Dona Conceição, uma nativa que fuma 3 carteiras de cigarros por dia e conhece o rapaizinho desde bebê.
— Não era da minhax tortax que Rricardin goxtava. Era normal. O goxto bom era fome dox molequex – conta dona Conceição com o sotaque nativo.
As primeiras marolinhas surfadas começaram aos 7 anos. Sua mãe, dona Lucilene, lhe sugeriu que contasse toda sua trajetória em um blog. E foi lá que registrou  a vitória sobre Kelly Slater, em 2012, após vencer o Trials para o WCT de Teahupoo, pelo segundo ano consecutivo, quando garantiu vaga para a etapa do Taiti.
Além das vitórias pelos tsunamis do planeta, Ricardinho também gostava de falar sobre o “Pedaço de Céu”. Aos poucos a Guarda tava virando um playground de maluco. Era maluco cheirando em cima de capô de carro, jipe com caixa de som alto virando noite na praia e turista fanfarrão tacando lixo nas vielas.
Na noite do crime, o policial Luiz Brentano, de Joinvile, estava completamente encarnado na maldade. Por ironia do destino entrou no Capetas Bar, o qual é gerenciado pela mãe de Ricardinho. Tomou todas e ficou lá fazendo um furduncio misturado com folia que só agradava seu próprio universo particular. Na hora de fechar, dona Lucilene lhe avisou:
— Temos que fechar às 2h. Não podemos ficar mais, a polícia pode incomodar.
E prontamente o PM Brentano respondeu:
— Mas que polícia? A polícia tá aqui e quer mais festa – falou enquanto tentava dar mais duzentos pilas pra noite continuar.
O bar fechou e Luiz seguiu degringolando de um lado ao outro. Pela Pinheira, Gamboa, Prainha e os arredores de Palhoça. Porra louqueando intensamente.
Alguns moradores relataram que durante a madrugada, no trecho da Guarda do Embaú pra Pinheira, um percurso curto e estreito de chão batido, o PM de férias dava de velocista, assustando os nativos e os turistas.
— Aqui o pessoal não anda mais de 40 km/h, quando muito. O policial estava com o exú. Pra cá e pra lá. Procurando um alvo — conta um comerciante/surfista da Pinheira.
A mira foi apontada pela manhã, às 8h50, no herói e ídolo da Guarda. O PM seguiu com a farra em frente a pousada do seu Nicolau dos Santos, vovô de Ricardinho. Luiz estacionou o carro em cima de um cano nas mediações das obras do seu Nicolau. O avô do Ricardinho advertiu e o PM lhe tacou um foda-se. Aí mexeu com Ricardinho. Foi lá e tirou satisfações com o policial. Afinal, a Guarda não é a casa da Mãe Joana e nem da Maria.
Cativo pra treta, o PM seguiu com sua rajada de ignorância e quando Ricardinho virou disparou 3 tiros. Dois acertaram, um no pulmão do surfista. Foi levado consciente pro hospital de São José, de helicóptero. O primeiro vôo oficial como Anjo da Guarda.
E mais uma vez na história um sujeito carregado de frustrações e pesares munido de arma e desfardado faz uma vítima. Um portador de armas é sempre um álibe pra pena de morte. É um pensamento curto e instântaneo. Não tem balança e nem medidas. Não pensa nas histórias e nas famílias.
Às vezes sinto a Polícia Militar como um entulho da Ditadura. E não sou o único. Não pela instituição, mas pelas pessoas que formam. O fim da PM já é um pedido antigo do Conselho de Direitos Humanos da ONU, pelo fim dos ditos “esquadrões da morte”, acusada de numerosas execuções extrajudiciais.
O peso de não saber ser feliz do PM deixou a Guarda em luto. Mas também deixou na luta. Por paz, consciência e vida. Por cervejas sem cóleras, baixas marolinhas e grandes ondas. É pelas causas e pelos causos que o Ricardinho ainda vive por lá. Guardado na Guarda, à salvo.