Se
hoje em dia rola esta perdição de textos tortos deste ser humano curvilíneo,
uma das maiores influências foi o Vô Tonho. Proseador de longa data, falava
olhando pro alto e gesticulando forte com as mãos. Popularmente conhecido nos
rodeados de Estrela como Seu Braga. Fazia jogo de bicho e muita rinha de galo.
Trabalhou na fábrica da Polar, quando a cerveja ainda era feita em cima do
morro mais íngrime daquela pacata cidade. Era motorista de empilhadeira. Segundo
ele, o melhor do mundo. Criou 6 filhos numa casa simples e totalmente azul, como
bom gremista fanático, lá no Alto da Bronze.
Primo
de primeiro grau da minha Vó Chica, o amor transcendeu as barreiras de toda
família e perdurou por quase 60 anos. Não sei se irei em alguma Bodas de Ouro
nos próximos anos. Mas a festa foi bonita. Ele contou mais de 30 causo. Cantou
e se declamou. Dançou valsa, deu conselho e proseou a noite toda.
A
gente assistia os jogos de futebol pelos meados de 99. Ele gritava “Golooo”. E
se ficasse falando demais enquanto o caroço rolava ele dizia. “Oh,
escuta, escuta”. Apontava pro ouvido e pra televisão. No intervalo dos jogos
ele fazia um chá pra lá de especial e trazia também bolachas integrais. Quando
vizinhos a gente assistia a todos os jogos do Palmeiras também, porque em São
Paulo o Vô Tonho era alvi-verde.
Certa
vez ele apostou comigo. “Vou dar uma dentada nas minha zorêlha, dúvida?”. Eu
sempre acreditei em tudo. Então ele tirou as dentaduras e mordeu as orelhas,
primeiro a direita e depois a esquerda. Carregava um marcapasso no peito que
parecia um velocímetro. Era obrigado a passar na portinha do lado quando ia no
Banrisul.
Ele
gostava de falar com todo mundo. Tava sempre rindo. Era famoso no buteco do
Adão, no calçadão da cidade e na Boa União, o lado B de Estrela. Falava até com
um rapazinho surdo que sempre passava na frente da sua casa. Fazia um sinal de
jóinha e dizia “Tem comido muita merda?”, e o surdinho acenava que sim com a
cabeça e retribuía a jóia. Sentava do teu lado e se soltasse um pum perguntava “Tu
peidou, tarzan minhoca?” Não, eu respondia, aí ele complementava “Então tem
rato morto aqui”. O Seu Braga era fanfarrão.
Tratava
do seus galos de rinha como reis, as galinhas chocadeiras como raínhas e os
pobres galos fracos com muito repúdio. Passava cachaça com arnica nos peleados,
aparava as penas dos cabeludos e ludibriava a cabeça dos campeões. Certa vez
ele me levou pra conhecer o submundo das rinhas. Dezenas de tiozinhos com
mãos nos bolsos das camisas, gritando alto e tirando um e outro pila das
calças. Um cheiro de cachaça com arnica ectoplásmatico. Só de falar já incha
minhas fuça.
Na
aposta o Vô Toninho falou pro Seu Neno:“Tu quer lutar com meu galo bom ou meu
galo ruim”: O Neninho escolheu o ruim, botou o galo no octágono e perdeu. Ficou
indignado. Aí o Seu Braga explicou: “O bonzinho era o outro, este era o ruim.
Ô, galo malvado”.
Faleceu
em 23 de julho de 2000. Ficou doente e logo se foi. Na vizinhança, os mais
velhos ainda falam “Huhuuuia!”. Termo que era usado pelo Toninho pra saudar os
mais moços. O Seu Braga veio bem antes do Forrest Gump, tem mais histórias e
corria muito mais rápido. Quando meu primeiro livro for pra tal da nuvem ele
vai poder ler isto aqui. Viva a inclusão digital.
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