sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Vô Toninho: pra quando meu primeiro livro for pra nuvem

Se hoje em dia rola esta perdição de textos tortos deste ser humano curvilíneo, uma das maiores influências foi o Vô Tonho. Proseador de longa data, falava olhando pro alto e gesticulando forte com as mãos. Popularmente conhecido nos rodeados de Estrela como Seu Braga. Fazia jogo de bicho e muita rinha de galo. Trabalhou na fábrica da Polar, quando a cerveja ainda era feita em cima do morro mais íngrime daquela pacata cidade. Era motorista de empilhadeira. Segundo ele, o melhor do mundo. Criou 6 filhos numa casa simples e totalmente azul, como bom gremista fanático, lá no Alto da Bronze.

Primo de primeiro grau da minha Vó Chica, o amor transcendeu as barreiras de toda família e perdurou por quase 60 anos. Não sei se irei em alguma Bodas de Ouro nos próximos anos. Mas a festa foi bonita. Ele contou mais de 30 causo. Cantou e se declamou. Dançou valsa, deu conselho e proseou a noite toda.

A gente assistia os jogos de futebol pelos meados de 99. Ele gritava “Golooo”. E se ficasse falando demais enquanto o caroço rolava ele dizia. “Oh, escuta, escuta”. Apontava pro ouvido e pra televisão. No intervalo dos jogos ele fazia um chá pra lá de especial e trazia também bolachas integrais. Quando vizinhos a gente assistia a todos os jogos do Palmeiras também, porque em São Paulo o Vô Tonho era alvi-verde.

Certa vez ele apostou comigo. “Vou dar uma dentada nas minha zorêlha, dúvida?”. Eu sempre acreditei em tudo. Então ele tirou as dentaduras e mordeu as orelhas, primeiro a direita e depois a esquerda. Carregava um marcapasso no peito que parecia um velocímetro. Era obrigado a passar na portinha do lado quando ia no Banrisul.

Ele gostava de falar com todo mundo. Tava sempre rindo. Era famoso no buteco do Adão, no calçadão da cidade e na Boa União, o lado B de Estrela. Falava até com um rapazinho surdo que sempre passava na frente da sua casa. Fazia um sinal de jóinha e dizia “Tem comido muita merda?”, e o surdinho acenava que sim com a cabeça e retribuía a jóia. Sentava do teu lado e se soltasse um pum perguntava “Tu peidou, tarzan minhoca?” Não, eu respondia, aí ele complementava “Então tem rato morto aqui”. O Seu Braga era fanfarrão.

Tratava do seus galos de rinha como reis, as galinhas chocadeiras como raínhas e os pobres galos fracos com muito repúdio. Passava cachaça com arnica nos peleados, aparava as penas dos cabeludos e ludibriava a cabeça dos campeões. Certa vez ele me levou pra conhecer o submundo das rinhas. Dezenas de tiozinhos com mãos nos bolsos das camisas, gritando alto e tirando um e outro pila das calças. Um cheiro de cachaça com arnica ectoplásmatico. Só de falar já incha minhas fuça.

Na aposta o Vô Toninho falou pro Seu Neno:“Tu quer lutar com meu galo bom ou meu galo ruim”: O Neninho escolheu o ruim, botou o galo no octágono e perdeu. Ficou indignado. Aí o Seu Braga explicou: “O bonzinho era o outro, este era o ruim. Ô, galo malvado”.

Faleceu em 23 de julho de 2000. Ficou doente e logo se foi. Na vizinhança, os mais velhos ainda falam “Huhuuuia!”. Termo que era usado pelo Toninho pra saudar os mais moços. O Seu Braga veio bem antes do Forrest Gump, tem mais histórias e corria muito mais rápido. Quando meu primeiro livro for pra tal da nuvem ele vai poder ler isto aqui. Viva a inclusão digital.

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