Nada mais adequado para falar da crise política atual do que um
militante de oposição que acompanha os rumos políticos de perto. Em meio a
pedidos de impeachment, ajustes fiscais e terceirização do trabalho, Julio
Flores integra os principais movimentos de esquerda do Rio Grande do Sul.
Natural de São Borja, Julio Flores é professor de matemática no Estado
e na capital gaúcha. Sua militância política iniciou no movimento estudantil,
em 1979. Participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central
Única dos Trabalhadores (CUT) e após sua saída do partido, em 1992, integrou a
criação do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).
Aos 56 anos, já concorreu a nove eleições. Em 2004 somou mais de 5.600
votos para vereador e mais de 10.000 votos para deputado estadual, em 2006.
Socialista e de luta, em entrevista Julio fala de sua visão sobre os rumos
políticos atuais no Brasil e aponta possíveis soluções à esquerda:
Cristiano: Julio, o governo Dilma começou seu segundo mandato
promovendo o ajuste fiscal. O trabalhador, neste momento, sente o peso dos
altos impostos e das medidas que foram alteradas nos seus direitos.
Qual a sua opinião sobre isto?
Julio: O governo Dilma colocou ninguém menos que o Levy para comandar
a economia, algo que, sem dúvidas, o Aécio Neves faria. Então, não faz tanta
diferença entre um e outro. O ajuste fiscal é algo para beneficiar os
banqueiros e as grandes empresas. Tanto é verdade, que existe um acordo por
parte do PSDB para aplicação deste projeto. De fato, o ajuste fiscal é um
projeto do PSDB desde sempre.
Cristiano: O PT, desde sua origem, foi a esperança política de muitas
pessoas. As greves no ABC, no início dos anos 1980, mobilizavam milhares de
trabalhadores em prol da luta por igualdade social. Lutaram lado a lado pelo
fim da ditadura e pela democratização do Brasil. O que se vê no cenário atual
são as coligações duvidosas, o envolvimento em corrupções e a omissão em pautas
de interesse da classe trabalhadora. Para você, que fez parte da criação do PT,
como este caminho que o PT tomou é visto?
Julio: O modo como o PT degringolou é uma tragédia histórica que
envolve a expectativa de milhões de trabalhadores que apostavam numa saída
diferente que mudasse profundamente o rumo da história. Mas o que aconteceu, de
fato, foi que o PT se adaptou ao status quo, o conhecido regime democrático
burguês. O Lula, no início de sua jornada política ao sucesso, era contra a
criação do partido. Ele propunha um partido popular, uma coisa policlassista
que virasse o signo dos trabalhadores. Integrei com outros companheiros a convergência socialista do PT que, de forma
oficial, foi institucionalizado por Zé Maria, em 1979, durante um congresso, em
São Paulo. As greves do ABC foram poderosas, um estopim eleitoral. Mas o PT foi
se adaptando aos parlamentos e aos governos, mudando completamente os
propósitos originais.
Cristiano: Nesta mudança de objetivos do PT, o que ele passou a
defender?
Julio: Assim como outros partidos tradicionais, o PT, hoje, defende a
manutenção do capitalismo em prol da burguesia. O ajuste fiscal, por exemplo,
corta na saúde, na educação, na segurança etc. Mas se observares, por onde
investigam é possível encontrar falcatruas nestes setores. A corrupção é
inerente a este sistema. O capitalismo por sua própria natureza é corrupto. O
seu grande motor é o lucro, seja ele de maneira legal ou ilegal. As leis estão
aí para favorecer o lucro e quando não dá, eles fazem por fora.
Cristiano: O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), o
qual você também participou da criação, foi oficializado em 1994. Como foi sua
saída do PT?
Julio: Saí do PT em 1992, quando ao convergência socialista foi
expulsa numa operação liderada por José Dirceu, o famoso chefe do mensalão.
Fomos expulsos na época do Fora Collor, o setor de esquerda o qual integrava,
defendia o “Fora Collor”, isto, sem mais enfeites, e o José Dirceu, sua turma do
PT não eram contra. Foram mudando de opinião paulatinamente, amenizando tudo
por dentro do calendário eleitoral. Apostaram na eleição e no desgaste da
imagem do Collor. Quando o Collor convocou a população que fosse às ruas de
verde e amarelo e todo mundo saiu em luto, vestidos de preto, foi que o PT começou a defender o impeachment, tudo bonitinho e poético, como rege o
parlamento. Com processo e tudo.
Cristiano: Julio, milhares de pessoas têm saído para rua pedindo o
impeachment da Dilma. Como os movimentos de esquerda se posicionam em relação a
isto?
Julio: Agora um setor minoritário da direita propõe o impeachment da
Dilma, coisa que nem o PSDB e tão pouco a Globo apoiam. Na verdade, é vantajoso
para a burguesia que o PT permaneça no poder. Estão satisfeitos. As
empreiteiras estão contentes. Não existe esta coisa de golpe contra o PT. O PSTU
acredita que o povo tem que sair pra rua, se manifestar, fazer uma grande greve
geral. Mas não aliada com estes movimentos de direita. A esquerda não é este
movimento de camisas da seleção em verde amarelo, de vuvuzelas. A esquerda é tão
pouco o PT. Chegou uma hora que ou se é de esquerda ou se é petista,
praticamente. As pessoas que vão nas manifestações contra a Dilma não são
necessariamente de direita, foram porque estão sendo convocados pela mídia.
Todos os grandes partidos estão envolvidos na corrupção, inclusive o PSDB. O
governo Dilma é um governo do grande capital, historicamente, desde o
governo Lula. Mesmo que o impeachment acontecesse, nada mudaria. Colocar o
Renan Calheiros, presidente do Senado, ou o Eduardo Cunha, presidente da Câmara
dos Deputados, seria trocar seis por meia dúzia, tendo em vista que o PMDB já
governa o Brasil.
Cristiano: Em relação às denúncias ligadas ao PSDB, pouco se fala.
Recentemente, em uma entrevista com Fernando Henrique Cardoso à Agência Reuter sobre
corrupção, uma observação perdida do repórter foi constada “Podemos tirar se achar melhor”.
Como o PSDB consegue ficar em segundo plano em meio a todo a corrupção?
Julio: O doleiro Yousseff delatou que o Aécio Neves está envolvido na
corrupção em Furnas, em Minas Gerais, por exemplo. Mas a justiça tirou o nome
dele, não incluiu. A mídia está blindando o PSDB. A mídia e o PSDB têm uma
relação orgânica. Eles tem um benefício com isto, estão aliados e envolvidos,
claro, alguns com diferentes nuances. Mas também não é só PT e PSDB que estão
envolvidos na corrupção e, sim, todos os grandes partidos.
Cristiano: Em meio a polarizações políticas, o PT ainda é visto como
um partido de esquerda pela oposição. Qual a importância dos partidos de
esquerda se mostrarem contra este governo?
Julio: A esquerda deve se mostrar contra este governo. Temos,
inclusive, um espaço de unidade de ação para reunir organizações dos
trabalhadores, dos sindicatos, dos movimentos sociais, para que se convoque
mobilizações para chamar o povo pra rua. Não há outra coisa a se fazer neste
momento a não ser ir pra rua e fazer uma grande greve geral contra o ajuste
fiscal e a corrupção. Temos que colocar os trabalhadores no centro da cena
política. Isto é o que de fato coloca as coisas nos eixos. O trabalhador é o
protagonista e não podemos deixar o poder na mão da direita. Achamos que é
necessário ir além das delações premiadas, temos é que confiscar os bens dos
corruptos, pois depois que saírem da cadeia vão usufruir do que roubaram. Além
disso, devemos estatizar as empresas, é claro. A Dilma taxa os trabalhadores para
que paguem as corrupções dos governantes e os grandões ficam ilesos.
Cristiano: A terceirização do trabalho tem sido amplamente debatida no
Congresso. As opiniões se dividem e o caminho vai sendo favorável a
implementação do projeto. Qual sua opinião?
Julio: Em relação a terceirização do trabalho, nada mais é do que um
projeto para beneficiar os “amigos” dos poderosos. É uma hipocrisia só. Fazem
cortes só no lado de cá. Mas aumentam os próprios salários e de seus
parlamentares. Falam que serão rigorosos nas contas, mas com as contas dos
outros, porque com as contas deles eles não mexem. É um absurdo um deputado
ganhar R$ 30 mil, sem contar com as verbas de gabinete. Um deputado deveria
ganhar um salário médio de um trabalhador especializado ou de um professor. Somos
contra.
Cristiano: Julio, quais seriam os passos para terminar com a corrupção
política no Brasil?
Julio: O que se deveria fazer é estatizar estas empresas corruptoras,
confiscar todos os bens e colocá-las sob o controle do povo. O PT jamais vai
fazer isto. Outra coisa importante: movimentos de trabalhadores como a CUT e o
MST deveriam romper com apoios ao governo. Os trabalhadores, de todos os
setores devem ficar unidos. Deve se estabelecer uma grande luta nacional para
que possamos acabar com esta falsa polarização.
Cristiano: Quais as possíveis saídas para solucionar estas questões
políticas que o PSTU tomaria caso fosse eleito?
Julio: Se um governo de esquerda assumisse no Brasil, se fosse
verdadeiramente, com iniciativa popular, se o povo organizasse e governasse,
ainda assim haveriam alguns riscos, pois, enquanto o capitalismo não for
combatido em escala global, há uma chance de retrocesso. O capitalismo como um
todo é munido de um elemento de pressão, de privilégios, de compras e vendas. O
que vimos pelo mundo como base de esquerda em governo não nos serve. Cuba, por
exemplo, já se restaurou ao capitalismo.
A telefônica de lá é espanhola. Caminham para o mesmo processo de restauração
capitalista que houve na Rússia, na China, na União Soviética e pela qual
passa agora a Grécia. Se eleito, começaria pela dívida do Estado e um severo
combate as isenções fiscais. Só de sonegação são quase R$ 15 bilhões, ou seja,
mais ou menos o que foi roubado nas corrupções da Petrobrás. Já daria pra fazer
chover.
Cristiano: Muitos dos vereadores, deputados, senadores e demais cargos
políticos são representados por celebridades, famosos ou por pessoas conhecidas
do grande público. Sem possuir ligação qualquer com partidos ou causas
políticas ao longo de suas carreiras, concorrem a cargos políticos com recordes
de votos. Além disso, outros candidatos com visões conservadoras, como Marco
Feliciano, Luis Carlos Heinze e Jair Bolsonaro, por exemplo, são eleitos com
votações muito expressivas por representar uma grande parte da população. Onde
a democracia falha neste tipo de situação?
Julio: Infelizmente as pessoas confiam nos seus algozes. O trabalhador
se ilude. Confia em quem o explora. Só o processo de luta, de informação e
história é capaz de mudar este tempo e dar uma nova consciência ao conjunto do
povo. Mas isto vai mudar. A internet tem ajudado também as pessoas a se comunicar
e informar. Isto tem ajudado a potencializar as lutas e forma consciência
política. Todo o debate é válido. Recentemente, a internet ajudou as pessoas a
se mobilizarem para as lutas da Primavera Árabe. Mas na verdade, a internet é
só uma função mediadora, pois são as pessoas que se mobilizam. Foi uma das
formas que usaram para se organizar. A nova geração tem consciência
política e isto faz com que a própria mídia se modernize e busque acompanhar. A
saída à esquerda vai chegando.