segunda-feira, 4 de maio de 2015

Julio Flores: Poder na mão da classe trabalhadora

Nada mais adequado para falar da crise política atual do que um militante de oposição que acompanha os rumos políticos de perto. Em meio a pedidos de impeachment, ajustes fiscais e terceirização do trabalho, Julio Flores integra os principais movimentos de esquerda do Rio Grande do Sul.

Natural de São Borja, Julio Flores é professor de matemática no Estado e na capital gaúcha. Sua militância política iniciou no movimento estudantil, em 1979. Participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e após sua saída do partido, em 1992, integrou a criação do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).

Aos 56 anos, já concorreu a nove eleições. Em 2004 somou mais de 5.600 votos para vereador e mais de 10.000 votos para deputado estadual, em 2006. Socialista e de luta, em entrevista Julio fala de sua visão sobre os rumos políticos atuais no Brasil e aponta possíveis soluções à esquerda:

Cristiano: Julio, o governo Dilma começou seu segundo mandato promovendo o ajuste fiscal. O trabalhador, neste momento, sente o peso dos altos impostos e das medidas que foram alteradas nos seus direitos. Qual a sua opinião sobre isto?

Julio: O governo Dilma colocou ninguém menos que o Levy para comandar a economia, algo que, sem dúvidas, o Aécio Neves faria. Então, não faz tanta diferença entre um e outro. O ajuste fiscal é algo para beneficiar os banqueiros e as grandes empresas. Tanto é verdade, que existe um acordo por parte do PSDB para aplicação deste projeto. De fato, o ajuste fiscal é um projeto do PSDB desde sempre.

Cristiano: O PT, desde sua origem, foi a esperança política de muitas pessoas. As greves no ABC, no início dos anos 1980, mobilizavam milhares de trabalhadores em prol da luta por igualdade social. Lutaram lado a lado pelo fim da ditadura e pela democratização do Brasil. O que se vê no cenário atual são as coligações duvidosas, o envolvimento em corrupções e a omissão em pautas de interesse da classe trabalhadora. Para você, que fez parte da criação do PT, como este caminho que o PT tomou é visto?

Julio: O modo como o PT degringolou é uma tragédia histórica que envolve a expectativa de milhões de trabalhadores que apostavam numa saída diferente que mudasse profundamente o rumo da história. Mas o que aconteceu, de fato, foi que o PT se adaptou ao status quo, o conhecido regime democrático burguês. O Lula, no início de sua jornada política ao sucesso, era contra a criação do partido. Ele propunha um partido popular, uma coisa policlassista que virasse o signo dos trabalhadores. Integrei com outros companheiros  a convergência socialista do PT que, de forma oficial, foi institucionalizado por Zé Maria, em 1979, durante um congresso, em São Paulo. As greves do ABC foram poderosas, um estopim eleitoral. Mas o PT foi se adaptando aos parlamentos e aos governos, mudando completamente os propósitos originais.

Cristiano: Nesta mudança de objetivos do PT, o que ele passou a defender?

Julio: Assim como outros partidos tradicionais, o PT, hoje, defende a manutenção do capitalismo em prol da burguesia. O ajuste fiscal, por exemplo, corta na saúde, na educação, na segurança etc. Mas se observares, por onde investigam é possível encontrar falcatruas nestes setores. A corrupção é inerente a este sistema. O capitalismo por sua própria natureza é corrupto. O seu grande motor é o lucro, seja ele de maneira legal ou ilegal. As leis estão aí para favorecer o lucro e quando não dá, eles fazem por fora.

Cristiano: O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), o qual você também participou da criação, foi oficializado em 1994. Como foi sua saída do PT?

Julio: Saí do PT em 1992, quando ao convergência socialista foi expulsa numa operação liderada por José Dirceu, o famoso chefe do mensalão. Fomos expulsos na época do Fora Collor, o setor de esquerda o qual integrava, defendia o “Fora Collor”, isto, sem mais enfeites, e o José Dirceu, sua turma do PT não eram contra. Foram mudando de opinião paulatinamente, amenizando tudo por dentro do calendário eleitoral. Apostaram na eleição e no desgaste da imagem do Collor. Quando o Collor convocou a população que fosse às ruas de verde e amarelo e todo mundo saiu em luto, vestidos de preto, foi que o PT começou a defender o impeachment, tudo bonitinho e poético, como rege o parlamento. Com processo e tudo.

Cristiano: Julio, milhares de pessoas têm saído para rua pedindo o impeachment da Dilma. Como os movimentos de esquerda se posicionam em relação a isto?

Julio: Agora um setor minoritário da direita propõe o impeachment da Dilma, coisa que nem o PSDB e tão pouco a Globo apoiam. Na verdade, é vantajoso para a burguesia que o PT permaneça no poder. Estão satisfeitos. As empreiteiras estão contentes. Não existe esta coisa de golpe contra o PT. O PSTU acredita que o povo tem que sair pra rua, se manifestar, fazer uma grande greve geral. Mas não aliada com estes movimentos de direita. A esquerda não é este movimento de camisas da seleção em verde amarelo, de vuvuzelas. A esquerda é tão pouco o PT. Chegou uma hora que ou se é de esquerda ou se é petista, praticamente. As pessoas que vão nas manifestações contra a Dilma não são necessariamente de direita, foram porque estão sendo convocados pela mídia. Todos os grandes partidos estão envolvidos na corrupção, inclusive o PSDB. O governo Dilma é um governo do grande capital, historicamente, desde o governo Lula. Mesmo que o impeachment acontecesse, nada mudaria. Colocar o Renan Calheiros, presidente do Senado, ou o Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, seria trocar seis por meia dúzia, tendo em vista que o PMDB já governa o Brasil.

Cristiano: Em relação às denúncias ligadas ao PSDB, pouco se fala. Recentemente, em uma entrevista com Fernando Henrique Cardoso à Agência Reuter sobre corrupção, uma observação perdida do repórter foi constada “Podemos tirar se achar melhor”. Como o PSDB consegue ficar em segundo plano em meio a todo a corrupção?

Julio: O doleiro Yousseff delatou que o Aécio Neves está envolvido na corrupção em Furnas, em Minas Gerais, por exemplo. Mas a justiça tirou o nome dele, não incluiu. A mídia está blindando o PSDB. A mídia e o PSDB têm uma relação orgânica. Eles tem um benefício com isto, estão aliados e envolvidos, claro, alguns com diferentes nuances. Mas também não é só PT e PSDB que estão envolvidos na corrupção e, sim, todos os grandes partidos.

Cristiano: Em meio a polarizações políticas, o PT ainda é visto como um partido de esquerda pela oposição. Qual a importância dos partidos de esquerda se mostrarem contra este governo?

Julio: A esquerda deve se mostrar contra este governo. Temos, inclusive, um espaço de unidade de ação para reunir organizações dos trabalhadores, dos sindicatos, dos movimentos sociais, para que se convoque mobilizações para chamar o povo pra rua. Não há outra coisa a se fazer neste momento a não ser ir pra rua e fazer uma grande greve geral contra o ajuste fiscal e a corrupção. Temos que colocar os trabalhadores no centro da cena política. Isto é o que de fato coloca as coisas nos eixos. O trabalhador é o protagonista e não podemos deixar o poder na mão da direita. Achamos que é necessário ir além das delações premiadas, temos é que confiscar os bens dos corruptos, pois depois que saírem da cadeia vão usufruir do que roubaram. Além disso, devemos estatizar as empresas, é claro. A Dilma taxa os trabalhadores para que paguem as corrupções dos governantes e os grandões ficam ilesos.

Cristiano: A terceirização do trabalho tem sido amplamente debatida no Congresso. As opiniões se dividem e o caminho vai sendo favorável a implementação do projeto. Qual sua opinião?

Julio: Em relação a terceirização do trabalho, nada mais é do que um projeto para beneficiar os “amigos” dos poderosos. É uma hipocrisia só. Fazem cortes só no lado de cá. Mas aumentam os próprios salários e de seus parlamentares. Falam que serão rigorosos nas contas, mas com as contas dos outros, porque com as contas deles eles não mexem. É um absurdo um deputado ganhar R$ 30 mil, sem contar com as verbas de gabinete. Um deputado deveria ganhar um salário médio de um trabalhador especializado ou de um professor. Somos contra.

Cristiano: Julio, quais seriam os passos para terminar com a corrupção política no Brasil?

Julio: O que se deveria fazer é estatizar estas empresas corruptoras, confiscar todos os bens e colocá-las sob o controle do povo. O PT jamais vai fazer isto. Outra coisa importante: movimentos de trabalhadores como a CUT e o MST deveriam romper com apoios ao governo. Os trabalhadores, de todos os setores devem ficar unidos. Deve se estabelecer uma grande luta nacional para que possamos acabar com esta falsa polarização.

Cristiano: Quais as possíveis saídas para solucionar estas questões políticas que o PSTU tomaria caso fosse eleito?

Julio: Se um governo de esquerda assumisse no Brasil, se fosse verdadeiramente, com iniciativa popular, se o povo organizasse e governasse, ainda assim haveriam alguns riscos, pois, enquanto o capitalismo não for combatido em escala global, há uma chance de retrocesso. O capitalismo como um todo é munido de um elemento de pressão, de privilégios, de compras e vendas. O que vimos pelo mundo como base de esquerda em governo não nos serve. Cuba, por exemplo, já se restaurou  ao capitalismo. A telefônica de lá é espanhola. Caminham para o mesmo processo de restauração capitalista que houve na Rússia, na China, na União Soviética e pela qual passa agora a Grécia. Se eleito, começaria pela dívida do Estado e um severo combate as isenções fiscais. Só de sonegação são quase R$ 15 bilhões, ou seja, mais ou menos o que foi roubado nas corrupções da Petrobrás. Já daria pra fazer chover.

Cristiano: Muitos dos vereadores, deputados, senadores e demais cargos políticos são representados por celebridades, famosos ou por pessoas conhecidas do grande público. Sem possuir ligação qualquer com partidos ou causas políticas ao longo de suas carreiras, concorrem a cargos políticos com recordes de votos. Além disso, outros candidatos com visões conservadoras, como Marco Feliciano, Luis Carlos Heinze e Jair Bolsonaro, por exemplo, são eleitos com votações muito expressivas por representar uma grande parte da população. Onde a democracia falha neste tipo de situação?

Julio: Infelizmente as pessoas confiam nos seus algozes. O trabalhador se ilude. Confia em quem o explora. Só o processo de luta, de informação e história é capaz de mudar este tempo e dar uma nova consciência ao conjunto do povo. Mas isto vai mudar. A internet tem ajudado também as pessoas a se comunicar e informar. Isto tem ajudado a potencializar as lutas e forma consciência política. Todo o debate é válido. Recentemente, a internet ajudou as pessoas a se mobilizarem para as lutas da Primavera Árabe. Mas na verdade, a internet é só uma função mediadora, pois são as pessoas que se mobilizam. Foi uma das formas que usaram para se organizar. A nova geração tem consciência política e isto faz com que a própria mídia se modernize e busque acompanhar. A saída à esquerda vai chegando.