Moleque de praia, tinhoso
das ondas pesadas e tubulares, Ricardinho era um especialista do surf. Bateu
nomes como Kelly Slater e J.J. Florence. Mais do que “da Guarda”, o bichinho
era “a Guarda do Embaú”, bandeados de Palhoça, em Santa Catarina. Chamava o
pequeno vilarejo de “Pedaço de Céu” e defendia a preservação feito um galo
cinza das maresias. No dia 19/01, foi vitíma da ignorância e intolerância vinda
do lado de quem deveria pregar justiça e segurança: um policial militar.
Conversando aqui e ali enquanto
peregrinava pelas areias da Guarda do Embaú, na última semana, fui conhecendo a
fama do Ricardinho por suas quebradas. Tinha amigos em todos os cantos. Tudo e
todos. Dos mariscos ao Paulo Zulu. Gostava da cuca e da torta de banana da Dona
Conceição, uma nativa que fuma 3 carteiras de cigarros por dia e conhece o
rapaizinho desde bebê.
— Não era da minhax tortax
que Rricardin goxtava. Era normal. O goxto bom era fome dox molequex – conta dona
Conceição com o sotaque nativo.
As primeiras marolinhas
surfadas começaram aos 7 anos. Sua mãe, dona Lucilene, lhe sugeriu que contasse
toda sua trajetória em um blog. E foi lá que registrou a vitória sobre Kelly Slater, em 2012, após
vencer o Trials para o WCT de Teahupoo, pelo segundo ano consecutivo, quando
garantiu vaga para a etapa do Taiti.
Além das vitórias pelos
tsunamis do planeta, Ricardinho também gostava de falar sobre o “Pedaço de Céu”.
Aos poucos a Guarda tava virando um playground de maluco. Era maluco cheirando
em cima de capô de carro, jipe com caixa de som alto virando noite na praia e
turista fanfarrão tacando lixo nas vielas.
Na noite do crime, o
policial Luiz Brentano, de Joinvile, estava completamente encarnado na maldade.
Por ironia do destino entrou no Capetas Bar, o qual é gerenciado pela mãe de
Ricardinho. Tomou todas e ficou lá fazendo um furduncio misturado com folia que
só agradava seu próprio universo particular. Na hora de fechar, dona Lucilene
lhe avisou:
— Temos que fechar às 2h.
Não podemos ficar mais, a polícia pode incomodar.
E prontamente o PM Brentano respondeu:
— Mas que polícia? A polícia
tá aqui e quer mais festa – falou enquanto tentava dar mais duzentos pilas pra
noite continuar.
O bar fechou e Luiz seguiu
degringolando de um lado ao outro. Pela Pinheira, Gamboa, Prainha e os
arredores de Palhoça. Porra louqueando intensamente.
Alguns moradores relataram
que durante a madrugada, no trecho da Guarda do Embaú pra Pinheira, um percurso
curto e estreito de chão batido, o PM de férias dava de velocista, assustando
os nativos e os turistas.
— Aqui o pessoal não anda
mais de 40 km/h, quando muito. O policial estava com o exú. Pra cá e pra lá. Procurando
um alvo — conta um comerciante/surfista da Pinheira.
A mira foi apontada pela
manhã, às 8h50, no herói e ídolo da Guarda. O PM seguiu com a farra em frente a
pousada do seu Nicolau dos Santos, vovô de Ricardinho. Luiz estacionou o carro
em cima de um cano nas mediações das obras do seu Nicolau. O avô do Ricardinho
advertiu e o PM lhe tacou um foda-se. Aí mexeu com Ricardinho. Foi lá e tirou
satisfações com o policial. Afinal, a Guarda não é a casa da Mãe Joana e nem da
Maria.
Cativo pra treta, o PM
seguiu com sua rajada de ignorância e quando Ricardinho virou disparou 3 tiros.
Dois acertaram, um no pulmão do surfista. Foi levado consciente pro hospital de
São José, de helicóptero. O primeiro vôo oficial como Anjo da Guarda.
E mais uma vez na história
um sujeito carregado de frustrações e pesares munido de arma e desfardado faz
uma vítima. Um portador de armas é sempre um álibe pra pena de morte. É um
pensamento curto e instântaneo. Não tem balança e nem medidas. Não pensa nas
histórias e nas famílias.
Às vezes sinto a Polícia
Militar como um entulho da Ditadura. E não sou o único. Não pela instituição,
mas pelas pessoas que formam. O fim da PM já é um pedido antigo do Conselho de
Direitos Humanos da ONU, pelo fim dos ditos “esquadrões da morte”, acusada de
numerosas execuções extrajudiciais.
O peso de não saber ser
feliz do PM deixou a Guarda em luto. Mas também deixou na luta. Por paz,
consciência e vida. Por cervejas sem cóleras, baixas marolinhas e grandes
ondas. É pelas causas e pelos causos que o Ricardinho ainda vive por lá. Guardado na Guarda, à salvo.
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