quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Gabrielzinho do Agogô: o Highlander do asfalto

Mais do que um amante jamaicano, Gabriel, ou ainda, “Gabrielzinho do Agogô”, é um poeta do asfalto. Com sua bike arrojada sprinta o Porto dos Casais de um lado ao outro. Faz histórias e fumaça nos arredores de nossa capital, dia a dia. Eu conheci ele gordinho, comilão, tímido e cheio de esperanças. Agora os ossos dos ombros saltam-lhe feito cabides pontudos, tamanha sua magreza. Às vezes olho pra ele e é inevitável não lembrar daquele modelito exótico da Lady Gaga. A timidez não lhe assombra mais, pelo contrário, precisa discernir a toda hora qual a diferença entre o charme e o funk.

A maldição de seus pés, chatos e redondos, veio em 2012/2. Era verão e o rapazinho passou a madrugada toda fazendo hidratação etílica no Divina Comédia. Na época, ainda gordinho e ofegante, ele não tinha como voltar pra sua casa, na Zona Sul. Sugeri que pousasse sua nave espacial no meu pequenino JK de 30 m², no coração da Cidade Baixa. Chegamos lá e eu capotei torto.

Por increça que parível ele não localizou o colchão de visitas no meu reduzido espaço de sobrevivência. Inquieto, foi de um lado pro outro e resolveu fugir do meu apê às loucas. Gordinho e desajeitado, pulou o portão do meu prédio e se espatifou no chão, do outro lado. Ficou todo filho da puta na calçada por alguns minutos, embriagado com os olhos azuis e redondos esbugalhados, na Rua Alberto Torres. Quebrou o pé pela primeira vez. Era o início de uma saga.

Tentou colocar a culpa em mim algumas vezes. “Tu não acordou, tu poderia ter abrido a porta”. Tá bom, tudo bem. Mas o destino se incumbiu de mostrar que este Karma era (e talvez ainda seja) seu. Só seu. Não demorou muito pra que nosso Jamaica lover se espatifasse novamente. Um taxista convidou-o para entrar em seu carro sem aviso prévio durante uma pedalada. Levou uma portada nas fuças e voou por cima do carro, quebrou o braço, esfolou o queixo maxiloso, que também lhe serviu como parachoque na queda. O pézinho também sofreu o pênalti do destino. De novo. Pra ele não falar mais mal de mim.

Levamos ele pro hospital Mãe de Deus e ficamos esperando, entre um cafezinho de 50 cents e outro. Umas quase 3 horas depois, vem ele. Enfaixado como uma múmia caribenha. Sorriu e disse “Tô vivo, gurizada”. Menos mal. Eu, confesso, fiquei comovido. O Gabrielzinho é um Gilberto Gil albino, às vezes não sabe o que faz.

Vida vai e vida vem. Derrubadas aqui e ali nos boliches da vida real... E pow! Lá se vai o do Agogô de novo. Desta vez foi atropelado por um policial civil a paisana. Segundo pontes e fontes, estava levemente inebriado (o policial, o Gabriel também, óbvio). O poliça fazia bicos de segurança na Tia Carmen, estava a caminho quando o rapazito surgiu na frente do seu carro. Esta vez foi complicado. Quase perdemos nosso maratonista. Caiu e ficou piscando feito um personagem que se vai em um vídeo game.

O pedal fincou suas panturrilhas, abrindo um corte mais profundo que seus pensamentos cotidianos. E mais uma vez quebrou o pé. Ficou de molho. Ensandecido. Visitei ele algumas vezes, outros também o fizeram. Gabrielzinho de bengala pra cá e pra lá. Reclamou da vida, descobriu alguns novos aplicativos de celular e cogitou a existência de um Deus maior.

Agora ele tá bem. Não usa capacete. Mas aderiu a uma bandana hipster. Talvez isto proteja um pouco mais. Na filosofia oriental dizem que os pés carregam informações de todo o corpo. Se é assim, nosso Gabrielzinho é um highlander. Então, que não lhe cortem a cabeça.


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