Mais
do que um amante jamaicano, Gabriel, ou ainda, “Gabrielzinho do Agogô”, é um
poeta do asfalto. Com sua bike arrojada sprinta o Porto dos Casais de um lado
ao outro. Faz histórias e fumaça nos arredores de nossa capital, dia a dia. Eu
conheci ele gordinho, comilão, tímido e cheio de esperanças. Agora os ossos dos
ombros saltam-lhe feito cabides pontudos, tamanha sua magreza. Às vezes olho
pra ele e é inevitável não lembrar daquele modelito exótico da Lady Gaga. A
timidez não lhe assombra mais, pelo contrário, precisa discernir a toda hora
qual a diferença entre o charme e o funk.
A
maldição de seus pés, chatos e redondos, veio em 2012/2. Era verão e o
rapazinho passou a madrugada toda fazendo hidratação etílica no Divina Comédia.
Na época, ainda gordinho e ofegante, ele não tinha como voltar pra sua casa, na
Zona Sul. Sugeri que pousasse sua nave espacial no meu pequenino JK de 30 m²,
no coração da Cidade Baixa. Chegamos lá e eu capotei torto.
Por
increça que parível ele não localizou o colchão de visitas no meu reduzido
espaço de sobrevivência. Inquieto, foi de um lado pro outro e resolveu fugir do
meu apê às loucas. Gordinho e desajeitado, pulou o portão do meu prédio e se
espatifou no chão, do outro lado. Ficou todo filho da puta na calçada por
alguns minutos, embriagado com os olhos azuis e redondos esbugalhados, na Rua
Alberto Torres. Quebrou o pé pela primeira vez. Era o início de uma saga.
Tentou
colocar a culpa em mim algumas vezes. “Tu não acordou, tu poderia ter abrido a
porta”. Tá bom, tudo bem. Mas o destino se incumbiu de mostrar que este Karma
era (e talvez ainda seja) seu. Só seu. Não demorou muito pra que nosso Jamaica lover
se espatifasse novamente. Um taxista convidou-o para entrar em seu carro sem
aviso prévio durante uma pedalada. Levou uma portada nas fuças e voou por cima
do carro, quebrou o braço, esfolou o queixo maxiloso, que também lhe serviu
como parachoque na queda. O pézinho também sofreu o pênalti do destino. De
novo. Pra ele não falar mais mal de mim.
Levamos
ele pro hospital Mãe de Deus e ficamos esperando, entre um cafezinho de 50
cents e outro. Umas quase 3 horas depois, vem ele. Enfaixado como uma múmia
caribenha. Sorriu e disse “Tô vivo, gurizada”. Menos mal. Eu, confesso, fiquei
comovido. O Gabrielzinho é um Gilberto Gil albino, às vezes não sabe o que faz.
Vida
vai e vida vem. Derrubadas aqui e ali nos boliches da vida real... E pow! Lá se
vai o do Agogô de novo. Desta vez foi atropelado por um policial civil a
paisana. Segundo pontes e fontes, estava levemente inebriado (o policial, o
Gabriel também, óbvio). O poliça fazia bicos de segurança na Tia Carmen, estava
a caminho quando o rapazito surgiu na frente do seu carro. Esta vez foi
complicado. Quase perdemos nosso maratonista. Caiu e ficou piscando feito um
personagem que se vai em um vídeo game.
O
pedal fincou suas panturrilhas, abrindo um corte mais profundo que seus
pensamentos cotidianos. E mais uma vez quebrou o pé. Ficou de molho. Ensandecido.
Visitei ele algumas vezes, outros também o fizeram. Gabrielzinho de bengala pra
cá e pra lá. Reclamou da vida, descobriu alguns novos aplicativos de celular e
cogitou a existência de um Deus maior.
Agora
ele tá bem. Não usa capacete. Mas aderiu a uma bandana hipster. Talvez isto
proteja um pouco mais. Na filosofia oriental dizem que os pés carregam
informações de todo o corpo. Se é assim, nosso Gabrielzinho é um
highlander. Então, que não lhe cortem a cabeça.
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