terça-feira, 1 de setembro de 2015

Tonho Crocco de todos os santos

Um cientista da funkadelia musical, Tonho Crocco é um dos maiores orgulhos da cultura popular de nossos pampeados. Mais do que um músico de mão cheia, ele é um pesquisador perseverante da música negra e de suas infinitas possibilidades. É, mas não para por aí. A música é só o produto final da salvação: Tonho também beberica na política, no budismo, no vegetarianismo e na poesia da mais alta procedência. É um artista sem preço.

Fui convidado pra ouvir em primeira mão as prévias de seus novos trabalhos. Me perdi no caminho, mas não foi difícil achar o Tonho não. No Partenon ele é quase um ponto turístico. Todo mundo sabe onde fica. O Partenon todo se orgulha do canário que habita seu reino. Na nossa versão de Brooklyn aprendeu a viver. Aliás, o Partenon é berço da música inovadora: Luis Wagner, Da Guedes, Pau Brasil e Ultramen.

Entre guitarras, violões, samplers de DJ e grafite a casa de Tonho tem uma coleção de discos de vinis da porrilhésima potência. Banda Black Rio, Funkadelic, Tim Maia de todos os gostos, Pau Brasil, Luis Wagner, Zapp e por aí vai. Mas não fica só na nostalgia, Tonho procura manter as antenas ligadas em novos artistas que estão por aqui buscando novos jeitos de se fazer música. É padrinho de muita rapazeada que tá começando, do rádio ao underground. A entusiasmante Camila Lopez, uma das novas grandes vozes daqui, por exemplo, é uma delas. Estão fazendo uma parceria de gogó juntos que vai dar no que falar. Por estas e outras que vai faltar rádio pro que está por vir.

Quando digo que Tonho Crocco é um dos maiores ícones da cultura pop da gauchada, é porque ele transcende os estilos, e tão pouco integra o conceito simplório do Rock Gaúcho e dos cabelinhos milimetricamente desfiados da classe média rebelde dos pampas. Tonho Crocco é do Brasil. É o samba, o R&B, a MPB, o rap, o samba rock, o balanço, o funk soul e o crooner da voz que sobra. Tonhão, mais do que do povo, é do som. Não é um estilo: é a musicalidade.

Crédito da foto: Christian Jung

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Do truco ao truque

Faltando dois meses para fechar um ano desde que Sartori foi eleito governador do Rio Grande do Sul, a situação de paralisia transborda pelos poros do Estado. O gringo proseador e humorado foi coadjuvante de uma das melhores e mais efetivas campanhas políticas de todos os tempos. Mesmo sem prometer nada, exaltou-se a imagem do homem simples e realizador. Mas, passada a campanha cheia de aforismos piadistas, a tal da graça troteou pra longe dos pampas.

Parece que o governador perdeu o livro de piadas e o baralho de truco (carteado de origem italiana) que carregava em sua maleta durante a campanha. Recorria a um destes dois itens: o primeiro persuadia e o segundo dissuadia. Mas a crise do Estado é e sempre foi coisa séria. O humor não pode nos enganar mais do que por um instante, ligeiro ele sempre tem menos palavras do que o necessário, pois brinca perto da grande fogueira que é a realidade e de vez em quando esquece-se do calor da hora.

Sem saber o que fazer, Sartori tateia no escuro as possibilidades de reerguer o Estado, que, diga-se de passagem, são plenamente possíveis. Mas o governador terceiriza suas responsabilidades para outros poderes, os quais não foram eleitos, de fato, para governar o Rio Grande do Sul.

Ao que tudo indica Sartori pegou emprestado um plano de governo antigo, que já vimos aqui por estas querências. Volta a vigorar o arrocho salarial para justificar o corte de gastos e serviços públicos e o clima apocalíptico de crise para enaltecer impostos e privatizações. Ainda temos que melhorar muito para ficar mais ou menos.
 

terça-feira, 7 de julho de 2015

Eduardo Cunha: o usurpador tupiniquim

O Eduardo Cunha, quando menino, era o tipo de pimpolho que apanhava de pantufa. Entre mansões de lego, arquibancadas de futebol de botão e lágrimas de leite com pêra que escorriam em seu rosto por sua tenra formação, o jovem jamais soube aceitar um não. O próximo projeto que quer tramitar no Congresso é patentear a palavra “Não” em tradução livre para “Com certeza”, aqui no Brasil.
Uma pequena curiosidade do Cunha, além do fato de usar Hair Sink e Head & Shoulders , é que já foi tesoureiro do Collor, quando ainda era filiado ao PRN (Partido da Reconstrução Nacional), que depois virou o PTC (Partido Trabalhista Cristão), o qual hasteia-se a bandeira do Liberalismo, em nome de Deus.
Houve-se um tempo em que as estribeiras eram tangíveis. Podia-se avistá-las como um alquimista sentado com as pernas cruzadas balançando no ar, fumando charutos numa encruzilhada. A bancada mais conservadora de todos os tempos. Ideias fechadas, embutidas, prensadas a vácuo, em alguns casos. Alguns ainda consideram que “Diálogo” foi um antigo imperador da China, tamanha a defasagem enciclopédica.
Teremos que comemorar se chegarmos em 2018 ainda como República, com voto feminino e sem proletarização da terceirização dos terceirizados. A caravana do Eduardo Cunha está tinindo, os carburadores queimando alto, alimentando a explosão deste motor Lacerda Total Flex. Enquanto a esquerda se divide em diversos sub-setores e sub-esquerdismos, o lacerdismo e a direita se organizam em prol do seu bem comum: o capital financeiro.
A manobra regimental de Eduardo Cunha para dar um “jeitinho” de aprovar a redução da maioridade penal já estava sendo arquitetada poucos minutos após a derrota que sofreu na primeira legítima votação. Enfurnado com lideranças do PSDB, PSD, DEM e de outros partidos de oposição, Cunha não perde nenhuma queda de braço. É o Balboa do congresso. Mais patrocinado do que o Neymar e o Messi em boa fase.
Cabe lembrar que medidas “aglutinativas”, como a manobrada por Cunha, somente podem ser votadas após a votação do texto principal, desde que ele tenha sido aprovada, o que não foi o caso. Colocou a emenda de texto acima do texto original da PEC. Em resumo, colocou o interesse próprio antes da democracia. Cunha usurpador.
Após toda esta avalanche de emoções, corrupções, delações e concessões a esquerda finalmente considera a hipótese de se unir e batalhar pelas causas e pelas cousas.  Só falta saber quem vai jogar de camisa e quem vai jogar sem.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Julio Flores: Poder na mão da classe trabalhadora

Nada mais adequado para falar da crise política atual do que um militante de oposição que acompanha os rumos políticos de perto. Em meio a pedidos de impeachment, ajustes fiscais e terceirização do trabalho, Julio Flores integra os principais movimentos de esquerda do Rio Grande do Sul.

Natural de São Borja, Julio Flores é professor de matemática no Estado e na capital gaúcha. Sua militância política iniciou no movimento estudantil, em 1979. Participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e após sua saída do partido, em 1992, integrou a criação do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).

Aos 56 anos, já concorreu a nove eleições. Em 2004 somou mais de 5.600 votos para vereador e mais de 10.000 votos para deputado estadual, em 2006. Socialista e de luta, em entrevista Julio fala de sua visão sobre os rumos políticos atuais no Brasil e aponta possíveis soluções à esquerda:

Cristiano: Julio, o governo Dilma começou seu segundo mandato promovendo o ajuste fiscal. O trabalhador, neste momento, sente o peso dos altos impostos e das medidas que foram alteradas nos seus direitos. Qual a sua opinião sobre isto?

Julio: O governo Dilma colocou ninguém menos que o Levy para comandar a economia, algo que, sem dúvidas, o Aécio Neves faria. Então, não faz tanta diferença entre um e outro. O ajuste fiscal é algo para beneficiar os banqueiros e as grandes empresas. Tanto é verdade, que existe um acordo por parte do PSDB para aplicação deste projeto. De fato, o ajuste fiscal é um projeto do PSDB desde sempre.

Cristiano: O PT, desde sua origem, foi a esperança política de muitas pessoas. As greves no ABC, no início dos anos 1980, mobilizavam milhares de trabalhadores em prol da luta por igualdade social. Lutaram lado a lado pelo fim da ditadura e pela democratização do Brasil. O que se vê no cenário atual são as coligações duvidosas, o envolvimento em corrupções e a omissão em pautas de interesse da classe trabalhadora. Para você, que fez parte da criação do PT, como este caminho que o PT tomou é visto?

Julio: O modo como o PT degringolou é uma tragédia histórica que envolve a expectativa de milhões de trabalhadores que apostavam numa saída diferente que mudasse profundamente o rumo da história. Mas o que aconteceu, de fato, foi que o PT se adaptou ao status quo, o conhecido regime democrático burguês. O Lula, no início de sua jornada política ao sucesso, era contra a criação do partido. Ele propunha um partido popular, uma coisa policlassista que virasse o signo dos trabalhadores. Integrei com outros companheiros  a convergência socialista do PT que, de forma oficial, foi institucionalizado por Zé Maria, em 1979, durante um congresso, em São Paulo. As greves do ABC foram poderosas, um estopim eleitoral. Mas o PT foi se adaptando aos parlamentos e aos governos, mudando completamente os propósitos originais.

Cristiano: Nesta mudança de objetivos do PT, o que ele passou a defender?

Julio: Assim como outros partidos tradicionais, o PT, hoje, defende a manutenção do capitalismo em prol da burguesia. O ajuste fiscal, por exemplo, corta na saúde, na educação, na segurança etc. Mas se observares, por onde investigam é possível encontrar falcatruas nestes setores. A corrupção é inerente a este sistema. O capitalismo por sua própria natureza é corrupto. O seu grande motor é o lucro, seja ele de maneira legal ou ilegal. As leis estão aí para favorecer o lucro e quando não dá, eles fazem por fora.

Cristiano: O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), o qual você também participou da criação, foi oficializado em 1994. Como foi sua saída do PT?

Julio: Saí do PT em 1992, quando ao convergência socialista foi expulsa numa operação liderada por José Dirceu, o famoso chefe do mensalão. Fomos expulsos na época do Fora Collor, o setor de esquerda o qual integrava, defendia o “Fora Collor”, isto, sem mais enfeites, e o José Dirceu, sua turma do PT não eram contra. Foram mudando de opinião paulatinamente, amenizando tudo por dentro do calendário eleitoral. Apostaram na eleição e no desgaste da imagem do Collor. Quando o Collor convocou a população que fosse às ruas de verde e amarelo e todo mundo saiu em luto, vestidos de preto, foi que o PT começou a defender o impeachment, tudo bonitinho e poético, como rege o parlamento. Com processo e tudo.

Cristiano: Julio, milhares de pessoas têm saído para rua pedindo o impeachment da Dilma. Como os movimentos de esquerda se posicionam em relação a isto?

Julio: Agora um setor minoritário da direita propõe o impeachment da Dilma, coisa que nem o PSDB e tão pouco a Globo apoiam. Na verdade, é vantajoso para a burguesia que o PT permaneça no poder. Estão satisfeitos. As empreiteiras estão contentes. Não existe esta coisa de golpe contra o PT. O PSTU acredita que o povo tem que sair pra rua, se manifestar, fazer uma grande greve geral. Mas não aliada com estes movimentos de direita. A esquerda não é este movimento de camisas da seleção em verde amarelo, de vuvuzelas. A esquerda é tão pouco o PT. Chegou uma hora que ou se é de esquerda ou se é petista, praticamente. As pessoas que vão nas manifestações contra a Dilma não são necessariamente de direita, foram porque estão sendo convocados pela mídia. Todos os grandes partidos estão envolvidos na corrupção, inclusive o PSDB. O governo Dilma é um governo do grande capital, historicamente, desde o governo Lula. Mesmo que o impeachment acontecesse, nada mudaria. Colocar o Renan Calheiros, presidente do Senado, ou o Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, seria trocar seis por meia dúzia, tendo em vista que o PMDB já governa o Brasil.

Cristiano: Em relação às denúncias ligadas ao PSDB, pouco se fala. Recentemente, em uma entrevista com Fernando Henrique Cardoso à Agência Reuter sobre corrupção, uma observação perdida do repórter foi constada “Podemos tirar se achar melhor”. Como o PSDB consegue ficar em segundo plano em meio a todo a corrupção?

Julio: O doleiro Yousseff delatou que o Aécio Neves está envolvido na corrupção em Furnas, em Minas Gerais, por exemplo. Mas a justiça tirou o nome dele, não incluiu. A mídia está blindando o PSDB. A mídia e o PSDB têm uma relação orgânica. Eles tem um benefício com isto, estão aliados e envolvidos, claro, alguns com diferentes nuances. Mas também não é só PT e PSDB que estão envolvidos na corrupção e, sim, todos os grandes partidos.

Cristiano: Em meio a polarizações políticas, o PT ainda é visto como um partido de esquerda pela oposição. Qual a importância dos partidos de esquerda se mostrarem contra este governo?

Julio: A esquerda deve se mostrar contra este governo. Temos, inclusive, um espaço de unidade de ação para reunir organizações dos trabalhadores, dos sindicatos, dos movimentos sociais, para que se convoque mobilizações para chamar o povo pra rua. Não há outra coisa a se fazer neste momento a não ser ir pra rua e fazer uma grande greve geral contra o ajuste fiscal e a corrupção. Temos que colocar os trabalhadores no centro da cena política. Isto é o que de fato coloca as coisas nos eixos. O trabalhador é o protagonista e não podemos deixar o poder na mão da direita. Achamos que é necessário ir além das delações premiadas, temos é que confiscar os bens dos corruptos, pois depois que saírem da cadeia vão usufruir do que roubaram. Além disso, devemos estatizar as empresas, é claro. A Dilma taxa os trabalhadores para que paguem as corrupções dos governantes e os grandões ficam ilesos.

Cristiano: A terceirização do trabalho tem sido amplamente debatida no Congresso. As opiniões se dividem e o caminho vai sendo favorável a implementação do projeto. Qual sua opinião?

Julio: Em relação a terceirização do trabalho, nada mais é do que um projeto para beneficiar os “amigos” dos poderosos. É uma hipocrisia só. Fazem cortes só no lado de cá. Mas aumentam os próprios salários e de seus parlamentares. Falam que serão rigorosos nas contas, mas com as contas dos outros, porque com as contas deles eles não mexem. É um absurdo um deputado ganhar R$ 30 mil, sem contar com as verbas de gabinete. Um deputado deveria ganhar um salário médio de um trabalhador especializado ou de um professor. Somos contra.

Cristiano: Julio, quais seriam os passos para terminar com a corrupção política no Brasil?

Julio: O que se deveria fazer é estatizar estas empresas corruptoras, confiscar todos os bens e colocá-las sob o controle do povo. O PT jamais vai fazer isto. Outra coisa importante: movimentos de trabalhadores como a CUT e o MST deveriam romper com apoios ao governo. Os trabalhadores, de todos os setores devem ficar unidos. Deve se estabelecer uma grande luta nacional para que possamos acabar com esta falsa polarização.

Cristiano: Quais as possíveis saídas para solucionar estas questões políticas que o PSTU tomaria caso fosse eleito?

Julio: Se um governo de esquerda assumisse no Brasil, se fosse verdadeiramente, com iniciativa popular, se o povo organizasse e governasse, ainda assim haveriam alguns riscos, pois, enquanto o capitalismo não for combatido em escala global, há uma chance de retrocesso. O capitalismo como um todo é munido de um elemento de pressão, de privilégios, de compras e vendas. O que vimos pelo mundo como base de esquerda em governo não nos serve. Cuba, por exemplo, já se restaurou  ao capitalismo. A telefônica de lá é espanhola. Caminham para o mesmo processo de restauração capitalista que houve na Rússia, na China, na União Soviética e pela qual passa agora a Grécia. Se eleito, começaria pela dívida do Estado e um severo combate as isenções fiscais. Só de sonegação são quase R$ 15 bilhões, ou seja, mais ou menos o que foi roubado nas corrupções da Petrobrás. Já daria pra fazer chover.

Cristiano: Muitos dos vereadores, deputados, senadores e demais cargos políticos são representados por celebridades, famosos ou por pessoas conhecidas do grande público. Sem possuir ligação qualquer com partidos ou causas políticas ao longo de suas carreiras, concorrem a cargos políticos com recordes de votos. Além disso, outros candidatos com visões conservadoras, como Marco Feliciano, Luis Carlos Heinze e Jair Bolsonaro, por exemplo, são eleitos com votações muito expressivas por representar uma grande parte da população. Onde a democracia falha neste tipo de situação?

Julio: Infelizmente as pessoas confiam nos seus algozes. O trabalhador se ilude. Confia em quem o explora. Só o processo de luta, de informação e história é capaz de mudar este tempo e dar uma nova consciência ao conjunto do povo. Mas isto vai mudar. A internet tem ajudado também as pessoas a se comunicar e informar. Isto tem ajudado a potencializar as lutas e forma consciência política. Todo o debate é válido. Recentemente, a internet ajudou as pessoas a se mobilizarem para as lutas da Primavera Árabe. Mas na verdade, a internet é só uma função mediadora, pois são as pessoas que se mobilizam. Foi uma das formas que usaram para se organizar. A nova geração tem consciência política e isto faz com que a própria mídia se modernize e busque acompanhar. A saída à esquerda vai chegando.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

2069: numa boa vivendo o fim do futuro

É 2069, tenho 80 anos e estou cortando as unhas dos meus pés. O alicate de unhas é umas das poucas coisas que não se reinventaram até então. Atualizo o aplicativo do chip inserido no meu braço esquerdo que cuida do meu fígado. O wi-fi grátis do mundo fica pendurado na antena do meu brinco. Sento no sofá com massageador de bolitas e assisto o filho adotivo do Jean Willys assumir a presidência no meu Google glass modelo vintage XT GRAND MASTER FLASH 2. Até que enfim.
         O alzeimer que tive aos 70 anos foi curado com as pesquisas feitas em cérebros de pessoas que diziam “Então, vai pra Cuba” por qualquer motivo. Cousa que se ouvia muito pelos meados de 2010 até 2015. As que diziam “Não confunda liberdade com libertinagem” também serviram de estudo para casos de epilepsia, dislexia e alguns casos de sinusites crônicas.
O Roberto Carlos ainda faz o especial da Globo. Foi ressuscitando graças as pesquisas de célula tronco e já foi clonado duas vezes. Recentemente se envolveu num polêmico comercial para o MC Donalds. Não por quebrar o vegetarianismo pela quinta vez, mas por abandonar os jalecos brancos e azuis e passar usar só camisa vermelha depois do comercial.
O Ricardo Teixeira também ainda é o presidente da CBF. Durante um tempo ficou sumido. Ficou fazendo copas e mais copas por holograma. Até que descobriram que estava congelado na Suíça há exatas 3 quadras do HSBC mais próximo. Criou recentemente a Teixeiras Nepotismus Enterprises, uma empresa com núcleo familiar que cuida das atividades filantrópicas sem fins lucrativos do futebol.
O ramo farmacêutico cresceu tanto que agora é usado como referência de localização. “Moro perto da Drogabel 2229. Se tu virar a esquerda na São Joao 3001 e pegar a Panvel 933, segue pela transversal da Mais econômica 150 que tu logo vai ver um jardim com um flamingo regador giratório, é ali mesmo”. Foram inventados remédios que previnem outros remédios. Com o Dorpréx, já se previne dores pelo corpo. Bene-antigripe, te deixa não gripado a qualquer  hora. Viagra não existe mais. Afinal, todo mundo consegue ficar de tico duro em 2069. Inclusive as mina.
Finalmente os recursos do mar tornaram-se potáveis. Após anos nos domesticando com água Crystal da Coca-Cola, o sódio foi subindo com os anos e agora bebemos água dos oceanos na maior tranquilidade. Às vezes coloco com leite ou iogurte em pó e misturo no meu sucrilhos. O mate instantâneo também faço com a água do Atlântico. Bem topetudo.
Parei de roncar porque parei de dormir. Camas só servem para trepar em 2069.



sexta-feira, 13 de março de 2015

Olhos abertos na Perimetral: 10% é a mãe

Sou do bolicho. Da birita a preço de bom grado e do prato feito com amor e sazóns da vida real. Não é pedir demais. Cervejas comuns por mais de 10 pilas é um crime social, ambiental e antropológico. Sim. Elitizar um dos maiores lubrificantes sociais a tal ponto é uma insensibilidade com o seu semelhante ou assemelhado. Aí superfaturar na minha sede e querer que eu ainda contribua com um 10% de forma compulsória? Na bunada não vai dinha, não?
         Raramente faço questão de pagar os 10%. Não sou um ser humano pior por isto. É facultativo. Entre muito estudo, chimarrão e cuca já se estabeleceu que o pagamento dos 10% deve ser informado em letras grandes e visíveis. E também deve-se ostentar um cartaz com dimensões de, NO MÍNIMO, 50 centímetros de comprimento e sensacionais 60 centímetros de altura.
         Na última vez que fui no Perimetral, na Cidade Baixa, quando me desloquei ao caixa pra pagar informei o atendente que não queria pagar os 10%, porque de acordo com minhas experiências anteriores, nunca me informaram. O que deveria ser obrigação do estabelecimento.O preço já vinha embutido no pacote. Sobre a bandeira do constragedorismo asteia-se a má fé dos lobos maus. Por mais que pedi pra deixar os 10% de fora, o preço cobrado não bateu com o que gastei. Fiquei com as antenas de vinil tinindo. 12 conto numa Original. E ainda o cara pálida do atendente falou:
         — Aqui na volta o preço é assim mesmo.
         Então peguei o cardápio e fui ver. Não era 12 pilas a cerveja e sim R$ 10,50. E mostrei pra ele.
         — Calma, senhor.
         Calma é minha vó vendo novela de pantufa. Calmo é o crédito pessoal do Bill Gates. Calmo é um passeio em Quintão no inverno. Calmo não sou eu quando alguém tenta me passar pra trás de forma tão descarada.
         Olhos abertos na Perimetral, nos bosques e nas avenidas. 10% é a mãe. E la nave vá. 

quarta-feira, 11 de março de 2015

Wander Wildner: Existe alguém aí?

Investindo no lado pós-romantista, o “Existe alguém aí?”, oitavo disco na carreira de Wander Wildner, é uma crítica à sociedade urbana. Um chute na bunda do caos apocalíptico contemporâneo das grandes metrópoles criado pelo homem cifrudo. Conceitual e mais popular do que nunca, o disco conta com 10 canciones inesperadas. Em cada faixa um personagem é o herói de si mesmo e luta pra fazer a diferença do seu mundo interior para o exterior.
  - Até onde vivemos nossas próprias vidas? A maioria prefere viver a vida pelos televisores – conta o artista.
  Já na capa, idealizada por Wander e executada por Eloar Guazzeli, prédios se elevam por uma cidade chuvosa e quase alcançam o olimpo de Porto dos Casais. No meio desta selva de pedras, um personagem toca guitarra num terraço embaixo de um spoiler com uma ilha. Eis o personagem de "Numa ilha qualquer", um dos maiores hits do disco, e este é o primeiro sonho. Zarpar pra bem longe das metróples, viver um amor transcendental numa ilha distante dos pecados capitais das capitais.
  O disco canta a morte de Porto Alegre. O tiro no pé de uma cidade que pegou o caminho errado, que se perdeu nas próprias transversais de suas contra-mãos. Não existe mais procura, apenas oferta e demanda.
  - As pessoas não vivem suas próprias vidas. Optaram pelo caminho do lobo, por uma vida capitalista e consumista. Não se perguntam 'Quem eu sou?', 'O que faço neste planeta?', 'Pra onde vou'?. Ao invé de procurar dentro de si, procuram pra fora, copiam do outro. Não é uma questão de bem e mal - explica.
  No momento sua nave espacial intergaláctica está estacionada no Bom Fim. Uma morada com vista pras estrelas, pé de manjericão e produção artesanal de cerveja. Mas Wander Wildner não pertence a lugar nenhum. Já morou em Lisboa, Berlim, Guarda do Embaú, São Paulo, Rio de Janeiro, Lajeado e, claro, Porto Alegre. A solução, segundo ele, é sair da cidade. Este é o espírito da cousa.
      - A cidade não tem mais solução. Tá globalizada. Eu propiciei que a música me levasse à diversos lugares. Inventei isto. As pessoas tem liberdades e não usam o livre-árbitrio. A gente pode fazer qualquer coisa. Qualquer coisa. São infinitas possibilidades. Eu não tenho cidade. Mas as pessoas optaram por viver normas e convenções - conclui.
  No exterior gosta de ver as coisas de fora pra pensar diferente. Aí volta pras terras tupiniquins. Não gosta de pensar em alemão, inglês ou italiano. Já pensar em espanhol feito um amante mexicano, por vezes, ajuda no processo de composição. Afinal, é um poeta curvilíneo de pensamentos tortos.
 O romantismo acabou. O punk brega amassou as flores. Agora o romancismo é que impera na inspiração de Wander Wildner.
 —   O romantismo é a época da Jovem Guarda e o romancismo é o romântico de todas as épocas. O romântico sofre com a história porque é over. Nada pode ser muito mais do que outra coisa. O romancista vê de cima, toca teclados mágicos e anda em naves espaciais. É preciso se elevar para ver o mundo – diferencia o cantor.
Sorte, busca e desapego alimentam os bons momentos do proseador. O novo disco de Wander Wildner é uma HQ sonora, cheia de personagens e histórias bacanudas. Mostra que o virtual é uma ferramenta, mas que a aventura está lá fora. Que o poder de dentro é maior do que o dos “poderosos”. Só o som espacial faz voar. Então, procuremos para dentro e fujamos para as colinas. Sejamos feios, mas sejamos bonitos. Salve-se quem puder.





segunda-feira, 2 de março de 2015

Aguiar Cycle: O rei das magrelinhas invocadas

    O seu Aguiar, natural de Tapes, é o tipo de persona que já fala sorrindo. É um Quick Napolitano das amizades instantâneas. Casado com o ciclismo e amante dos esportes, há mais de 23 anos monta e customiza bicicletas, quase que uma bodas de prata. Já produziu e reproduziu mais de 1.500 bikes em sua árvore genealógica de ciclismo. Uma multidão de traseiros sprintando em cima destes atípicos veículos de andar pra frente que vem tomando conta da nossa querida Porto dos Casais. Ele é o rei das magrelinhas invocadas.
  A fama veio mais forte após o trágico atropelamento na Massa Crítica em 2011, pelo inesquecível e ileso Golf Preto de José Ricardo Neis, servidor do Banco Central. Após 4 anos, a cousa foi pra júri popular, veremos se vira causo ou lenda. Aguiar foi o primeiro ciclista a dar uma declaração e pedir a prisão do lacerdinha José. Não demorou muito e foi parar na RBS TV. Neis foi preso e logo solto, afinal nossa vasta Constituição sempre favorece brechas de leis para legitimar autênticos bandidos. Mas muito antes disto Aguiar, nosso camarada, já lutava bravamente pelo ciclismo. "Um corte vertical no trânsito", como sugere.
Veio pra Porto dos Casais em 2005 pra terminar a faculdade de Educação Física. Sempre na maciota e na boa, com a cabeça fria e o pé quente, ele fez uma cambada de amigos pedaladores, corredores e maratonistas.
Prefeito de Tapes por dois mandatos, seu pai, José Wilson da Silva, também foi relojoeiro. Nunca consertou um relógio, mas também nunca perdeu tempo. Aguiar logo se envolveu como voluntário do Ministério dos Esportes de Tapes. A troco de nada ele organizava maratonas, corridas de bicicleta, nados em águas abertas e até taco, se dessem bobeira nele. Tudo pelo esporte, pelo suor e pelo coração bombando, bombando, bombando.
Um belo dia resolveu fazer a travessia do Náutico pro Pontal, quase 8 km de nado livre. Chegou do outro lado, encontrou uma turma fazendo churrasco, comeu, proseou e se foi embora. Afinal, é assim que os campeões fazem. Gostou da brincadeira e assim começou oficialmente a Travessia do Pontal em Tapes, evento de natação em águas abertas que ganhou o Estado e logo depois virou torneio oficial deste Brasil baronil. É mole?
Pra montar uma bike com o Aguiar segue-se um breve roteiro de perguntas e respostas. É na espera que a coisa acontece. Existe toda uma análise antropológica, psicológica e fisiológica. Os níveis Zen são medidos por uma balança que capta os níveis ectoplasmáticos do vivente. 
    Transformar a bike na personalidade de um alguém não é tarefa fácil. Vai além dos 50 tons de cinza. Pode ser torto, curvilíneo ou quadrado. Até a bunda sentar na bicicleta tem muitas rodadas de diálogo, cafézinho e manuais de segurança no trânsito. Quantos por aí criam a imaginação? Pedalar um sonho é estar nas nuvens.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Chahin: o Ney Matogrosso do Banrisul

Relutei o máximo que pude, mas a entrevista começou com o Ney Matogrosso do Banrisul me trazendo um caneco de Jack Daniels, lôco de especial. Dei duas bicadas e pedi pra ele se maquiar. “Mas não me vem com esta, tem foto minha maquiado de tudo quanto é jeito, pega uma lá e deu”, respondeu o rapazito mais Molhado do que Seco.

O que poucos sabem é que o Daniel Chahin é cantor do coral do Banrisul. Entre barítonos, sopranos e contraltos, seu tenor reverbera nos tímpanos mais requintados. Vai do gospel até as cantigas dos nossos pampas. Pode parecer careta, mas é assim que os campeões treinam seus vibratos, suas técnicas mais auspiciosas e o imaginário de um rockstar.

A jornada começou com seu tio Pedro, um sobrevivente dos anos 80, lhe mostrando sua vasta coleção de discos de rock durante a pré-adolescência. Quando moleque 13, o Chahinzêra ouvia Legião Urbana, sabia cantar todas, pintava uma barba postiça fechava o olhinho e encarnava o Renato Russo. E cantava. Cantava sem sentir que estava cantando.

A barba foi ficando verdadeira com o passar dos tempos e ele foi indo pro metal. Começou a curtir as gorduras dos drives, cabeleiras ao vento e roupas de couro. Foi indo de uma banda pra outra. Um cabeludo lhe ouvia e lhe convidava pra uma banda com cabeludos melhores. E assim foi seguindo o baile from hell.

Numa desventura do destino, foi expulso de uma banda, a extinta Papudos. Ahhh, mano do céu. O Chahin ficou puto. Tinha voz, gana, postura e ouvido cru. Além disto, tinha a cabeleira de metal mais pomposa e cheirosa do ramo. Não dava pra ficar barato. Começou a estudar música na Academia do Miranda em 97. Aí o gogó começou a ficar precioso. Primeiro recebeu um banho de cobre, logo depois bronze, prata e recentemente foi banhado a ouro.

Passava horas e horas na Banana Records ouvindo tudo que podia. Nos tempos de MTV, olhava as camisetas da rapaziada from hell e ia atrás pra descobrir novas bandas. Entre nomes pingando sangue, simbologias do tinhoso e bafomés dourados ele foi ficando maroto no metal. Imbatível.

Mas o que mudou suas madeixas, a forma de pensar música, de cantar e de virar homem e lobisomem foi quando achou perdido na casa do tio o tal disco dos Secos & Molhados. Gastou umas 15 agulha de vitrola, de tanto que ouvia. Levou pra gurizada da Moonlight, sua antiga banda de metal, e eles também piraram. Não demorou muito e as perucas foram ao chão. Montaram a banda El Rey em 2010 e começaram a fazer shows. As primeiras maquiagens baratas escorriam com o suor da rapaziada feito corretivo líquido. O som impecável.

De pouco em pouco foram investido aqui e ali e despertaram a atenção do Gerson Conrad, um dos membros fundadores do Secos & Molhados. O Chahin começou a se atucanar mais e mais com a balança. Começou um regime cousa muito séria. “Já viu Ney Matogrosso barrigudo e pelado? Não, né? Então”. Do colágeno ao sushi light ele alcançou a meta.

      Foi apadrinhado oficialmente por um Secos & Molhados legítimo no Programa do Róger, na TVCOM. Não é pouca cousa, viu? Ele veio e até então já fez 2 shows oficiais com a rapaziada da banda El Rey em teatros lotados. Chahin foi elogiado pela voz, figurino com penachos na cabeça e até pelas danças com a coxinha de fora. No Banrisul ele é sucesso absoluto. Uma referência cultural do pop legítimo. Faz sucesso com as gatas. Até com os gatos. Mas aí ele dispensa.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Piça: filosofia de vida

        Esquece tudo que já ouviu falar sobre método De Rose, Dalai Lama, Carlos Drummond de Andrade e afins. Rasgue a carteirinha do clube dos punheteiros e pare de se preocupar com o óbvio. O lance agora é PIÇA, Filosofia de vida. Não pense que é de menta. Chupe que é de uva.
Os raios moralizadores tem efeitos bem piores que os ultravioletas. Fazem mal pra pele e pra coluna. As balizas do nosso sistema ditam o que é felicidade. O consumo torna o sexo em fator de hierarquia social. Aprisionamos nossos corpos em estigmas e expectativas terceirizadas. Sejamos o prazer independente do que aconteça. Piça pro resto.
Estamos pasteurizando o bonito. Que feio. As competições de beleza já são tão comuns que assistimos elas enquanto comemos sucrilhos. O amor se tornando num comercial de cerveja. Que coisa fajuta. O amor não foi feito pela estética. Nasceu para conjugar os verbos. Mais do que isto, é uma ameaça verbal. É pau, é cu, é buceta. Afinal, o amor é lindo.
Somos trancafiados em nossas próprias babilônias interiores. Sejamos o subversivo, o improvável e o inóspito. Temos que inserir o PIÇA no nosso dialeto. Piça é um estilo de vida.             Quando questionado sobre algo que é bom pra si e não prejudica ninguém: PIÇA. Ser bom pra si é ser bom para os outros. Piça, piça, piça. Piça é um amor que passa bem. Não é a piça de todo mundo que voa.
Liberdade não é consumir, é construir. É coragem. E no mais, piça e grelo duro pros que não gostarem.


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

PT: do inacreditável ao inacreditável

       A Dilma foi tão bem na campanha do PT, nas Eleições de 2014, que no final da disputa o próprio Bottini, do Shoptime, se reuniu com a presidenta e convidou para entrar no seleto time de vendedores da empresa junto com sua equipe de marketing, se caso não fosse reeleita.
     Ao contrário do que pregou no segundo turno, ela assumiu o mesmo programa econômico dos tucanos. Dilma começou 2015 promovendo medidas de ajuste fiscal e "retirada de direitos". Foi toda de madrinha no casamento da Katia Abreu, a ministra da agricultura que afirmou que no Brasil não se tem mais latifundio. Agora a pouco apostou no Bendine, o técnocrata do capital financeiro, pra ser o novo presidente da Petrobras. 
       Hoje vi um amigo dizer "Pra quem tem dinheiro tá fácil demais". É vero, homi. O Eike Batista, a Graça Foster, o Paulo Roberto Costa, o Renan Calheiros e tão pouco o Lula, jamais serão de pobres novos ou pobres de novo. Nem o FHC e nem o Chacrinha se estivesse vivo. O que está em jogo hoje é acima de tudo uma disputa de memória, como no Antigo Regime. É preciso não apenas matar o conjurado, é preciso expor seu corpo esquartejado.
Aqui nas terras tupiniquins a gente poderia dar educação de qualidade pros nossos bacuris e bacurias com os royalties do pré-sal. Seria o fim do ciclo de uma dominação escravocrata. Mas para que os escravistas do século 21 ganhem a parada, é preciso destruir a possibilidade de os trabalhadores fazerem melhor que os seus patrões.
  O PT surgiu do inacreditável, no inícios dos anos 1980. Sabemos bem o por quê. Até a Elis Regina fazia shows e mandava sacos de dinheiro pro Lula financiar as primeiras reviravoltas de greves no ABC. Agora o PT trincou e está rachado. Muitas alas e facções. Diminuiu-se os quadros e aumentaram as agremiações. Isto me lembra uma vez que fui assaltado aqui em Porto Alegre. O cara me roubou cento e poucos pilas. Me devolveu vintão e disse "Pra tu não ficar achando que eu sou mau". Quase dei um abraço nele, tamanha benevolência.


sábado, 7 de fevereiro de 2015

Ricardinho: galo cinza das maresias

 Moleque de praia, tinhoso das ondas pesadas e tubulares, Ricardinho era um especialista do surf. Bateu nomes como Kelly Slater e J.J. Florence. Mais do que “da Guarda”, o bichinho era “a Guarda do Embaú”, bandeados de Palhoça, em Santa Catarina. Chamava o pequeno vilarejo de “Pedaço de Céu” e defendia a preservação feito um galo cinza das maresias. No dia 19/01, foi vitíma da ignorância e intolerância vinda do lado de quem deveria pregar justiça e segurança: um policial militar.
Conversando aqui e ali enquanto peregrinava pelas areias da Guarda do Embaú, na última semana, fui conhecendo a fama do Ricardinho por suas quebradas. Tinha amigos em todos os cantos. Tudo e todos. Dos mariscos ao Paulo Zulu. Gostava da cuca e da torta de banana da Dona Conceição, uma nativa que fuma 3 carteiras de cigarros por dia e conhece o rapaizinho desde bebê.
— Não era da minhax tortax que Rricardin goxtava. Era normal. O goxto bom era fome dox molequex – conta dona Conceição com o sotaque nativo.
As primeiras marolinhas surfadas começaram aos 7 anos. Sua mãe, dona Lucilene, lhe sugeriu que contasse toda sua trajetória em um blog. E foi lá que registrou  a vitória sobre Kelly Slater, em 2012, após vencer o Trials para o WCT de Teahupoo, pelo segundo ano consecutivo, quando garantiu vaga para a etapa do Taiti.
Além das vitórias pelos tsunamis do planeta, Ricardinho também gostava de falar sobre o “Pedaço de Céu”. Aos poucos a Guarda tava virando um playground de maluco. Era maluco cheirando em cima de capô de carro, jipe com caixa de som alto virando noite na praia e turista fanfarrão tacando lixo nas vielas.
Na noite do crime, o policial Luiz Brentano, de Joinvile, estava completamente encarnado na maldade. Por ironia do destino entrou no Capetas Bar, o qual é gerenciado pela mãe de Ricardinho. Tomou todas e ficou lá fazendo um furduncio misturado com folia que só agradava seu próprio universo particular. Na hora de fechar, dona Lucilene lhe avisou:
— Temos que fechar às 2h. Não podemos ficar mais, a polícia pode incomodar.
E prontamente o PM Brentano respondeu:
— Mas que polícia? A polícia tá aqui e quer mais festa – falou enquanto tentava dar mais duzentos pilas pra noite continuar.
O bar fechou e Luiz seguiu degringolando de um lado ao outro. Pela Pinheira, Gamboa, Prainha e os arredores de Palhoça. Porra louqueando intensamente.
Alguns moradores relataram que durante a madrugada, no trecho da Guarda do Embaú pra Pinheira, um percurso curto e estreito de chão batido, o PM de férias dava de velocista, assustando os nativos e os turistas.
— Aqui o pessoal não anda mais de 40 km/h, quando muito. O policial estava com o exú. Pra cá e pra lá. Procurando um alvo — conta um comerciante/surfista da Pinheira.
A mira foi apontada pela manhã, às 8h50, no herói e ídolo da Guarda. O PM seguiu com a farra em frente a pousada do seu Nicolau dos Santos, vovô de Ricardinho. Luiz estacionou o carro em cima de um cano nas mediações das obras do seu Nicolau. O avô do Ricardinho advertiu e o PM lhe tacou um foda-se. Aí mexeu com Ricardinho. Foi lá e tirou satisfações com o policial. Afinal, a Guarda não é a casa da Mãe Joana e nem da Maria.
Cativo pra treta, o PM seguiu com sua rajada de ignorância e quando Ricardinho virou disparou 3 tiros. Dois acertaram, um no pulmão do surfista. Foi levado consciente pro hospital de São José, de helicóptero. O primeiro vôo oficial como Anjo da Guarda.
E mais uma vez na história um sujeito carregado de frustrações e pesares munido de arma e desfardado faz uma vítima. Um portador de armas é sempre um álibe pra pena de morte. É um pensamento curto e instântaneo. Não tem balança e nem medidas. Não pensa nas histórias e nas famílias.
Às vezes sinto a Polícia Militar como um entulho da Ditadura. E não sou o único. Não pela instituição, mas pelas pessoas que formam. O fim da PM já é um pedido antigo do Conselho de Direitos Humanos da ONU, pelo fim dos ditos “esquadrões da morte”, acusada de numerosas execuções extrajudiciais.
O peso de não saber ser feliz do PM deixou a Guarda em luto. Mas também deixou na luta. Por paz, consciência e vida. Por cervejas sem cóleras, baixas marolinhas e grandes ondas. É pelas causas e pelos causos que o Ricardinho ainda vive por lá. Guardado na Guarda, à salvo.



quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

João: de bombojaco e touca

Vindo dos vales do Encantado, nas quebradas do Taquari, Joãozinho é um conselheiro do amor. Obviamente o crédito vem devido aos infortúnios que seu jovem coração vivenciou pelos serenos da noite, vida a fora. O peito é como um passaporte cheio de vistos internacionais. Rapazito rodado. Feito pela mamãe enquanto ouvia Barry White com o papai.

Apesar da origem do campo, o João é carregado de um sotaque paulista inexplicável. “Manow, ciiiiinza, ‘te liga, meo’, poricrê”, são alguns dos verbaletes do dia a dia deste marajá da psicologia. Diz que ouviu muito Racionais na fase em que brotejavam espinhas na sua testa e isto influenciou o seu linguajar Zona Leste. Se formou e fez mestrado em psiquê. Em cinco minutos de papo, se acaba no divã do Jão. É inevitável. Ele é a prova viva de que todo psicólogo é um maluco de BR que compactua a serviços dos devaneios tortos dos seus semelhantes.

Promovedor dos pensamentos livres, João não quis ir na famosa Festa a Fantasia, em 2002, que ocorre todo ano em Lajeado. Sua namorada, na época, resolveu ir sozinha. Se vestiu de Rapunzel do crime, caprichou nas tranças, deu beijinho e abandonou o rapaz. Jãozito confiou no seu taco velho e ficou em casa jogando bolita e tocando a Claudia, sua guitarra.

No outro dia encontrou uma foto de sua amada no colo de uma tartaruga ninja. Sim. A decepção foi tamanha que ele rompeu a relação e não quis papo. E não bastou ser uma tartaruga ninja comum, morar no esgoto e ser aprendiz de um velho rato, era o Michelangelo, o mais fanfarrão entre eles.

Quando fica bêbado, o que não é tão raro, costuma ficar apenas com um olho aberto. Aí não fala muito, mas fica na espreita. Urubuservando. Quando concorda com outro borracho apenas aponta o dedo em riste e concorda com a cabeça. Como quem diz “Eu entendo sua dor, meu jovem”. Guarda um lado sambista no fundo da guaiaca que se revela espontâneo nas nights. Chora no cavaco, dança de olhinho fechado e até canta feito um periquito da Mangueira.

         Dado à sabedoria, expertise e sex appeal das quarentonas, João investia fortemente na sua vizinha de janela. Desenvolveu 32 maneiras de falar que estava calor, 18 para descrever como estava frio e 9 maneiras de explicar o lado promissor das primaveras. Um dia foi convocado para ajudar ela a carregar uma TV de 50 polegadas. Chegou no seu apartamento e viu a chaveta da felicidade em sua frente: um DVD do Procurando Nemo. Explicou pra gata loba o quanto gostava de desenho animado, compartilharam toda obra da Disney.

         Não demorou muito e João já havia pescado o Nemo da moçoila. “Gastei o batom”, diz ele se referindo a sua piroquinha. Durante a entrevista, pra este modesto texto, ele tentou acionar a quarentona de novo. Mas não teve sucesso. Segundo fontes, ela tá sempre engatada n’outro lance. “Sou um diblador, às vezes dá certo”, explica.

         Sua calvície iniciou aos 16 anos. Mas isto não lhe incomoda. “Tu não sabe o que é ficar careca. Mas depois da cena com a tartaruga ninja, isto é como um brinde. É difícil algo me abalar”, relata. Recentemente teve a namorada mais legal de sua vida. Segundo ele: bonita, inteligente e boa no tantra. Mas não quis levar a diante. Um psicólogo realizado passionalmente é muito contraditório. O lance é sofrer de amor empiricamente pra dar conselhos “Me dê motivos” pra outrens.

         Dia sim e dia não, o Jão vai vivendo assim. De bombojaco e touca. Protegendo a moleira do sol e do frio. Um diblador nato. Um psicólogo doidio em auto-tratamento. Analista dos corações partidos em Porto dos Casais. Um careca de saber com barba e ex-namoradas. Alérgico a tartarugas e mertiolate.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Vanessa Braga: pomeranos e meninas cremosas

Eu consigo imaginar a Vanessa Braga, de juvenis 14 anos, lambendo a tampa do seu iogurte na manhã em que desfilaria na passarela do Garota Verão 2015, na seletiva em Canguçu, Região Sul do Estado. Minutos antes de entrar na passarela a boca não tinha um ML de saliva. As pernas tremiam bobas em seu terremoto interior. Mal sabia ela que já estava coroada. O concurso mal começava e Vanessa já levava de lambuja o cortejo. Um exagero de beleza.

A beleza não tem padrão. Não é pasteurizada a 100ºC e distribuída em embalagens semânticas pelos botequins. Bonito não é ser feio e tão pouco é feio ser bonito. O lindo é transcender a todos. É romper paradigmas, mostrar novos mundos e infinitas possibilidades de sapatear. Vanessa amanhaceu rainha. Agora dá tchau de miss pelas quebradas de Canguçu. Uma terrinha cheia de pomeranos e meninas cremosas.

— Fui lá e arrasei — contou a Vanessa.

Todo mundo gritava “Vai lá, tu é linda”. E ela foi, de biquini verde e toda bonita. Desfilou segura e imperou geral. As outras candidatas pareciam estar amassando uvas na sua volta. Quero ver a tal da canditada oficial de 2015 fazer mais bonito que a Vanessinha. Ninguém vai lembrar dela. É Vanessa Braga na veia, rapazeada.

A beleza é injulgável. Não se mede e tão pouco se compete. A aventura está sempre lá fora. E que papo é este de só ter terráqueo no Miss Universo? Um dia escreverei sobre isto. Agora não.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Vô Toninho: pra quando meu primeiro livro for pra nuvem

Se hoje em dia rola esta perdição de textos tortos deste ser humano curvilíneo, uma das maiores influências foi o Vô Tonho. Proseador de longa data, falava olhando pro alto e gesticulando forte com as mãos. Popularmente conhecido nos rodeados de Estrela como Seu Braga. Fazia jogo de bicho e muita rinha de galo. Trabalhou na fábrica da Polar, quando a cerveja ainda era feita em cima do morro mais íngrime daquela pacata cidade. Era motorista de empilhadeira. Segundo ele, o melhor do mundo. Criou 6 filhos numa casa simples e totalmente azul, como bom gremista fanático, lá no Alto da Bronze.

Primo de primeiro grau da minha Vó Chica, o amor transcendeu as barreiras de toda família e perdurou por quase 60 anos. Não sei se irei em alguma Bodas de Ouro nos próximos anos. Mas a festa foi bonita. Ele contou mais de 30 causo. Cantou e se declamou. Dançou valsa, deu conselho e proseou a noite toda.

A gente assistia os jogos de futebol pelos meados de 99. Ele gritava “Golooo”. E se ficasse falando demais enquanto o caroço rolava ele dizia. “Oh, escuta, escuta”. Apontava pro ouvido e pra televisão. No intervalo dos jogos ele fazia um chá pra lá de especial e trazia também bolachas integrais. Quando vizinhos a gente assistia a todos os jogos do Palmeiras também, porque em São Paulo o Vô Tonho era alvi-verde.

Certa vez ele apostou comigo. “Vou dar uma dentada nas minha zorêlha, dúvida?”. Eu sempre acreditei em tudo. Então ele tirou as dentaduras e mordeu as orelhas, primeiro a direita e depois a esquerda. Carregava um marcapasso no peito que parecia um velocímetro. Era obrigado a passar na portinha do lado quando ia no Banrisul.

Ele gostava de falar com todo mundo. Tava sempre rindo. Era famoso no buteco do Adão, no calçadão da cidade e na Boa União, o lado B de Estrela. Falava até com um rapazinho surdo que sempre passava na frente da sua casa. Fazia um sinal de jóinha e dizia “Tem comido muita merda?”, e o surdinho acenava que sim com a cabeça e retribuía a jóia. Sentava do teu lado e se soltasse um pum perguntava “Tu peidou, tarzan minhoca?” Não, eu respondia, aí ele complementava “Então tem rato morto aqui”. O Seu Braga era fanfarrão.

Tratava do seus galos de rinha como reis, as galinhas chocadeiras como raínhas e os pobres galos fracos com muito repúdio. Passava cachaça com arnica nos peleados, aparava as penas dos cabeludos e ludibriava a cabeça dos campeões. Certa vez ele me levou pra conhecer o submundo das rinhas. Dezenas de tiozinhos com mãos nos bolsos das camisas, gritando alto e tirando um e outro pila das calças. Um cheiro de cachaça com arnica ectoplásmatico. Só de falar já incha minhas fuça.

Na aposta o Vô Toninho falou pro Seu Neno:“Tu quer lutar com meu galo bom ou meu galo ruim”: O Neninho escolheu o ruim, botou o galo no octágono e perdeu. Ficou indignado. Aí o Seu Braga explicou: “O bonzinho era o outro, este era o ruim. Ô, galo malvado”.

Faleceu em 23 de julho de 2000. Ficou doente e logo se foi. Na vizinhança, os mais velhos ainda falam “Huhuuuia!”. Termo que era usado pelo Toninho pra saudar os mais moços. O Seu Braga veio bem antes do Forrest Gump, tem mais histórias e corria muito mais rápido. Quando meu primeiro livro for pra tal da nuvem ele vai poder ler isto aqui. Viva a inclusão digital.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Gabrielzinho do Agogô: o Highlander do asfalto

Mais do que um amante jamaicano, Gabriel, ou ainda, “Gabrielzinho do Agogô”, é um poeta do asfalto. Com sua bike arrojada sprinta o Porto dos Casais de um lado ao outro. Faz histórias e fumaça nos arredores de nossa capital, dia a dia. Eu conheci ele gordinho, comilão, tímido e cheio de esperanças. Agora os ossos dos ombros saltam-lhe feito cabides pontudos, tamanha sua magreza. Às vezes olho pra ele e é inevitável não lembrar daquele modelito exótico da Lady Gaga. A timidez não lhe assombra mais, pelo contrário, precisa discernir a toda hora qual a diferença entre o charme e o funk.

A maldição de seus pés, chatos e redondos, veio em 2012/2. Era verão e o rapazinho passou a madrugada toda fazendo hidratação etílica no Divina Comédia. Na época, ainda gordinho e ofegante, ele não tinha como voltar pra sua casa, na Zona Sul. Sugeri que pousasse sua nave espacial no meu pequenino JK de 30 m², no coração da Cidade Baixa. Chegamos lá e eu capotei torto.

Por increça que parível ele não localizou o colchão de visitas no meu reduzido espaço de sobrevivência. Inquieto, foi de um lado pro outro e resolveu fugir do meu apê às loucas. Gordinho e desajeitado, pulou o portão do meu prédio e se espatifou no chão, do outro lado. Ficou todo filho da puta na calçada por alguns minutos, embriagado com os olhos azuis e redondos esbugalhados, na Rua Alberto Torres. Quebrou o pé pela primeira vez. Era o início de uma saga.

Tentou colocar a culpa em mim algumas vezes. “Tu não acordou, tu poderia ter abrido a porta”. Tá bom, tudo bem. Mas o destino se incumbiu de mostrar que este Karma era (e talvez ainda seja) seu. Só seu. Não demorou muito pra que nosso Jamaica lover se espatifasse novamente. Um taxista convidou-o para entrar em seu carro sem aviso prévio durante uma pedalada. Levou uma portada nas fuças e voou por cima do carro, quebrou o braço, esfolou o queixo maxiloso, que também lhe serviu como parachoque na queda. O pézinho também sofreu o pênalti do destino. De novo. Pra ele não falar mais mal de mim.

Levamos ele pro hospital Mãe de Deus e ficamos esperando, entre um cafezinho de 50 cents e outro. Umas quase 3 horas depois, vem ele. Enfaixado como uma múmia caribenha. Sorriu e disse “Tô vivo, gurizada”. Menos mal. Eu, confesso, fiquei comovido. O Gabrielzinho é um Gilberto Gil albino, às vezes não sabe o que faz.

Vida vai e vida vem. Derrubadas aqui e ali nos boliches da vida real... E pow! Lá se vai o do Agogô de novo. Desta vez foi atropelado por um policial civil a paisana. Segundo pontes e fontes, estava levemente inebriado (o policial, o Gabriel também, óbvio). O poliça fazia bicos de segurança na Tia Carmen, estava a caminho quando o rapazito surgiu na frente do seu carro. Esta vez foi complicado. Quase perdemos nosso maratonista. Caiu e ficou piscando feito um personagem que se vai em um vídeo game.

O pedal fincou suas panturrilhas, abrindo um corte mais profundo que seus pensamentos cotidianos. E mais uma vez quebrou o pé. Ficou de molho. Ensandecido. Visitei ele algumas vezes, outros também o fizeram. Gabrielzinho de bengala pra cá e pra lá. Reclamou da vida, descobriu alguns novos aplicativos de celular e cogitou a existência de um Deus maior.

Agora ele tá bem. Não usa capacete. Mas aderiu a uma bandana hipster. Talvez isto proteja um pouco mais. Na filosofia oriental dizem que os pés carregam informações de todo o corpo. Se é assim, nosso Gabrielzinho é um highlander. Então, que não lhe cortem a cabeça.