Vindo dos vales do Encantado, nas quebradas do Taquari, Joãozinho é um
conselheiro do amor. Obviamente o crédito vem devido aos infortúnios que seu
jovem coração vivenciou pelos serenos da noite, vida a fora. O peito é como um
passaporte cheio de vistos internacionais. Rapazito rodado. Feito pela mamãe
enquanto ouvia Barry White com o papai.
Apesar da origem do campo, o João é carregado de um sotaque paulista
inexplicável. “Manow, ciiiiinza, ‘te liga, meo’, poricrê”, são alguns dos
verbaletes do dia a dia deste marajá da psicologia. Diz que ouviu muito
Racionais na fase em que brotejavam espinhas na sua testa e isto influenciou o
seu linguajar Zona Leste. Se formou e fez mestrado em psiquê. Em cinco minutos
de papo, se acaba no divã do Jão. É inevitável. Ele é a prova viva de que todo
psicólogo é um maluco de BR que compactua a serviços dos devaneios tortos dos
seus semelhantes.
Promovedor dos pensamentos livres, João não quis ir na famosa Festa a
Fantasia, em 2002, que ocorre todo ano em Lajeado. Sua namorada, na época,
resolveu ir sozinha. Se vestiu de Rapunzel do crime, caprichou nas tranças, deu
beijinho e abandonou o rapaz. Jãozito confiou no seu taco velho e ficou em casa
jogando bolita e tocando a Claudia, sua guitarra.
No outro dia encontrou uma foto de sua amada no colo de uma tartaruga
ninja. Sim. A decepção foi tamanha que ele rompeu a relação e não quis papo. E
não bastou ser uma tartaruga ninja comum, morar no esgoto e ser aprendiz de um
velho rato, era o Michelangelo, o mais fanfarrão entre eles.
Quando fica bêbado, o que não é tão raro, costuma ficar apenas com um
olho aberto. Aí não fala muito, mas fica na espreita. Urubuservando. Quando
concorda com outro borracho apenas aponta o dedo em riste e concorda com a
cabeça. Como quem diz “Eu entendo sua dor, meu jovem”. Guarda um lado sambista
no fundo da guaiaca que se revela espontâneo nas nights. Chora no cavaco, dança
de olhinho fechado e até canta feito um periquito da Mangueira.
Dado à sabedoria, expertise e sex appeal das quarentonas, João investia fortemente
na sua vizinha de janela. Desenvolveu 32 maneiras de falar que estava calor, 18
para descrever como estava frio e 9 maneiras de explicar o lado promissor das
primaveras. Um dia foi convocado para ajudar ela a carregar uma TV de 50
polegadas. Chegou no seu apartamento e viu a chaveta da felicidade em sua
frente: um DVD do Procurando Nemo. Explicou pra gata loba o quanto gostava de
desenho animado, compartilharam toda obra da Disney.
Não demorou muito e João já havia
pescado o Nemo da moçoila. “Gastei o batom”, diz ele se referindo a sua
piroquinha. Durante a entrevista, pra este modesto texto, ele tentou acionar a
quarentona de novo. Mas não teve sucesso. Segundo fontes, ela tá sempre
engatada n’outro lance. “Sou um diblador, às vezes dá certo”, explica.
Sua calvície iniciou aos 16 anos. Mas
isto não lhe incomoda. “Tu não sabe o que é ficar careca. Mas depois da cena
com a tartaruga ninja, isto é como um brinde. É difícil algo me abalar”,
relata. Recentemente teve a namorada mais legal de sua vida. Segundo ele:
bonita, inteligente e boa no tantra. Mas não quis levar a diante. Um psicólogo
realizado passionalmente é muito contraditório. O lance é sofrer de amor
empiricamente pra dar conselhos “Me dê motivos” pra outrens.
Dia sim e dia não, o Jão vai vivendo
assim. De bombojaco e touca. Protegendo a moleira do sol e do frio. Um diblador
nato. Um psicólogo doidio em auto-tratamento. Analista dos corações partidos em
Porto dos Casais. Um careca de saber com barba e ex-namoradas. Alérgico a
tartarugas e mertiolate.