quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

João: de bombojaco e touca

Vindo dos vales do Encantado, nas quebradas do Taquari, Joãozinho é um conselheiro do amor. Obviamente o crédito vem devido aos infortúnios que seu jovem coração vivenciou pelos serenos da noite, vida a fora. O peito é como um passaporte cheio de vistos internacionais. Rapazito rodado. Feito pela mamãe enquanto ouvia Barry White com o papai.

Apesar da origem do campo, o João é carregado de um sotaque paulista inexplicável. “Manow, ciiiiinza, ‘te liga, meo’, poricrê”, são alguns dos verbaletes do dia a dia deste marajá da psicologia. Diz que ouviu muito Racionais na fase em que brotejavam espinhas na sua testa e isto influenciou o seu linguajar Zona Leste. Se formou e fez mestrado em psiquê. Em cinco minutos de papo, se acaba no divã do Jão. É inevitável. Ele é a prova viva de que todo psicólogo é um maluco de BR que compactua a serviços dos devaneios tortos dos seus semelhantes.

Promovedor dos pensamentos livres, João não quis ir na famosa Festa a Fantasia, em 2002, que ocorre todo ano em Lajeado. Sua namorada, na época, resolveu ir sozinha. Se vestiu de Rapunzel do crime, caprichou nas tranças, deu beijinho e abandonou o rapaz. Jãozito confiou no seu taco velho e ficou em casa jogando bolita e tocando a Claudia, sua guitarra.

No outro dia encontrou uma foto de sua amada no colo de uma tartaruga ninja. Sim. A decepção foi tamanha que ele rompeu a relação e não quis papo. E não bastou ser uma tartaruga ninja comum, morar no esgoto e ser aprendiz de um velho rato, era o Michelangelo, o mais fanfarrão entre eles.

Quando fica bêbado, o que não é tão raro, costuma ficar apenas com um olho aberto. Aí não fala muito, mas fica na espreita. Urubuservando. Quando concorda com outro borracho apenas aponta o dedo em riste e concorda com a cabeça. Como quem diz “Eu entendo sua dor, meu jovem”. Guarda um lado sambista no fundo da guaiaca que se revela espontâneo nas nights. Chora no cavaco, dança de olhinho fechado e até canta feito um periquito da Mangueira.

         Dado à sabedoria, expertise e sex appeal das quarentonas, João investia fortemente na sua vizinha de janela. Desenvolveu 32 maneiras de falar que estava calor, 18 para descrever como estava frio e 9 maneiras de explicar o lado promissor das primaveras. Um dia foi convocado para ajudar ela a carregar uma TV de 50 polegadas. Chegou no seu apartamento e viu a chaveta da felicidade em sua frente: um DVD do Procurando Nemo. Explicou pra gata loba o quanto gostava de desenho animado, compartilharam toda obra da Disney.

         Não demorou muito e João já havia pescado o Nemo da moçoila. “Gastei o batom”, diz ele se referindo a sua piroquinha. Durante a entrevista, pra este modesto texto, ele tentou acionar a quarentona de novo. Mas não teve sucesso. Segundo fontes, ela tá sempre engatada n’outro lance. “Sou um diblador, às vezes dá certo”, explica.

         Sua calvície iniciou aos 16 anos. Mas isto não lhe incomoda. “Tu não sabe o que é ficar careca. Mas depois da cena com a tartaruga ninja, isto é como um brinde. É difícil algo me abalar”, relata. Recentemente teve a namorada mais legal de sua vida. Segundo ele: bonita, inteligente e boa no tantra. Mas não quis levar a diante. Um psicólogo realizado passionalmente é muito contraditório. O lance é sofrer de amor empiricamente pra dar conselhos “Me dê motivos” pra outrens.

         Dia sim e dia não, o Jão vai vivendo assim. De bombojaco e touca. Protegendo a moleira do sol e do frio. Um diblador nato. Um psicólogo doidio em auto-tratamento. Analista dos corações partidos em Porto dos Casais. Um careca de saber com barba e ex-namoradas. Alérgico a tartarugas e mertiolate.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Vanessa Braga: pomeranos e meninas cremosas

Eu consigo imaginar a Vanessa Braga, de juvenis 14 anos, lambendo a tampa do seu iogurte na manhã em que desfilaria na passarela do Garota Verão 2015, na seletiva em Canguçu, Região Sul do Estado. Minutos antes de entrar na passarela a boca não tinha um ML de saliva. As pernas tremiam bobas em seu terremoto interior. Mal sabia ela que já estava coroada. O concurso mal começava e Vanessa já levava de lambuja o cortejo. Um exagero de beleza.

A beleza não tem padrão. Não é pasteurizada a 100ºC e distribuída em embalagens semânticas pelos botequins. Bonito não é ser feio e tão pouco é feio ser bonito. O lindo é transcender a todos. É romper paradigmas, mostrar novos mundos e infinitas possibilidades de sapatear. Vanessa amanhaceu rainha. Agora dá tchau de miss pelas quebradas de Canguçu. Uma terrinha cheia de pomeranos e meninas cremosas.

— Fui lá e arrasei — contou a Vanessa.

Todo mundo gritava “Vai lá, tu é linda”. E ela foi, de biquini verde e toda bonita. Desfilou segura e imperou geral. As outras candidatas pareciam estar amassando uvas na sua volta. Quero ver a tal da canditada oficial de 2015 fazer mais bonito que a Vanessinha. Ninguém vai lembrar dela. É Vanessa Braga na veia, rapazeada.

A beleza é injulgável. Não se mede e tão pouco se compete. A aventura está sempre lá fora. E que papo é este de só ter terráqueo no Miss Universo? Um dia escreverei sobre isto. Agora não.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Vô Toninho: pra quando meu primeiro livro for pra nuvem

Se hoje em dia rola esta perdição de textos tortos deste ser humano curvilíneo, uma das maiores influências foi o Vô Tonho. Proseador de longa data, falava olhando pro alto e gesticulando forte com as mãos. Popularmente conhecido nos rodeados de Estrela como Seu Braga. Fazia jogo de bicho e muita rinha de galo. Trabalhou na fábrica da Polar, quando a cerveja ainda era feita em cima do morro mais íngrime daquela pacata cidade. Era motorista de empilhadeira. Segundo ele, o melhor do mundo. Criou 6 filhos numa casa simples e totalmente azul, como bom gremista fanático, lá no Alto da Bronze.

Primo de primeiro grau da minha Vó Chica, o amor transcendeu as barreiras de toda família e perdurou por quase 60 anos. Não sei se irei em alguma Bodas de Ouro nos próximos anos. Mas a festa foi bonita. Ele contou mais de 30 causo. Cantou e se declamou. Dançou valsa, deu conselho e proseou a noite toda.

A gente assistia os jogos de futebol pelos meados de 99. Ele gritava “Golooo”. E se ficasse falando demais enquanto o caroço rolava ele dizia. “Oh, escuta, escuta”. Apontava pro ouvido e pra televisão. No intervalo dos jogos ele fazia um chá pra lá de especial e trazia também bolachas integrais. Quando vizinhos a gente assistia a todos os jogos do Palmeiras também, porque em São Paulo o Vô Tonho era alvi-verde.

Certa vez ele apostou comigo. “Vou dar uma dentada nas minha zorêlha, dúvida?”. Eu sempre acreditei em tudo. Então ele tirou as dentaduras e mordeu as orelhas, primeiro a direita e depois a esquerda. Carregava um marcapasso no peito que parecia um velocímetro. Era obrigado a passar na portinha do lado quando ia no Banrisul.

Ele gostava de falar com todo mundo. Tava sempre rindo. Era famoso no buteco do Adão, no calçadão da cidade e na Boa União, o lado B de Estrela. Falava até com um rapazinho surdo que sempre passava na frente da sua casa. Fazia um sinal de jóinha e dizia “Tem comido muita merda?”, e o surdinho acenava que sim com a cabeça e retribuía a jóia. Sentava do teu lado e se soltasse um pum perguntava “Tu peidou, tarzan minhoca?” Não, eu respondia, aí ele complementava “Então tem rato morto aqui”. O Seu Braga era fanfarrão.

Tratava do seus galos de rinha como reis, as galinhas chocadeiras como raínhas e os pobres galos fracos com muito repúdio. Passava cachaça com arnica nos peleados, aparava as penas dos cabeludos e ludibriava a cabeça dos campeões. Certa vez ele me levou pra conhecer o submundo das rinhas. Dezenas de tiozinhos com mãos nos bolsos das camisas, gritando alto e tirando um e outro pila das calças. Um cheiro de cachaça com arnica ectoplásmatico. Só de falar já incha minhas fuça.

Na aposta o Vô Toninho falou pro Seu Neno:“Tu quer lutar com meu galo bom ou meu galo ruim”: O Neninho escolheu o ruim, botou o galo no octágono e perdeu. Ficou indignado. Aí o Seu Braga explicou: “O bonzinho era o outro, este era o ruim. Ô, galo malvado”.

Faleceu em 23 de julho de 2000. Ficou doente e logo se foi. Na vizinhança, os mais velhos ainda falam “Huhuuuia!”. Termo que era usado pelo Toninho pra saudar os mais moços. O Seu Braga veio bem antes do Forrest Gump, tem mais histórias e corria muito mais rápido. Quando meu primeiro livro for pra tal da nuvem ele vai poder ler isto aqui. Viva a inclusão digital.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Gabrielzinho do Agogô: o Highlander do asfalto

Mais do que um amante jamaicano, Gabriel, ou ainda, “Gabrielzinho do Agogô”, é um poeta do asfalto. Com sua bike arrojada sprinta o Porto dos Casais de um lado ao outro. Faz histórias e fumaça nos arredores de nossa capital, dia a dia. Eu conheci ele gordinho, comilão, tímido e cheio de esperanças. Agora os ossos dos ombros saltam-lhe feito cabides pontudos, tamanha sua magreza. Às vezes olho pra ele e é inevitável não lembrar daquele modelito exótico da Lady Gaga. A timidez não lhe assombra mais, pelo contrário, precisa discernir a toda hora qual a diferença entre o charme e o funk.

A maldição de seus pés, chatos e redondos, veio em 2012/2. Era verão e o rapazinho passou a madrugada toda fazendo hidratação etílica no Divina Comédia. Na época, ainda gordinho e ofegante, ele não tinha como voltar pra sua casa, na Zona Sul. Sugeri que pousasse sua nave espacial no meu pequenino JK de 30 m², no coração da Cidade Baixa. Chegamos lá e eu capotei torto.

Por increça que parível ele não localizou o colchão de visitas no meu reduzido espaço de sobrevivência. Inquieto, foi de um lado pro outro e resolveu fugir do meu apê às loucas. Gordinho e desajeitado, pulou o portão do meu prédio e se espatifou no chão, do outro lado. Ficou todo filho da puta na calçada por alguns minutos, embriagado com os olhos azuis e redondos esbugalhados, na Rua Alberto Torres. Quebrou o pé pela primeira vez. Era o início de uma saga.

Tentou colocar a culpa em mim algumas vezes. “Tu não acordou, tu poderia ter abrido a porta”. Tá bom, tudo bem. Mas o destino se incumbiu de mostrar que este Karma era (e talvez ainda seja) seu. Só seu. Não demorou muito pra que nosso Jamaica lover se espatifasse novamente. Um taxista convidou-o para entrar em seu carro sem aviso prévio durante uma pedalada. Levou uma portada nas fuças e voou por cima do carro, quebrou o braço, esfolou o queixo maxiloso, que também lhe serviu como parachoque na queda. O pézinho também sofreu o pênalti do destino. De novo. Pra ele não falar mais mal de mim.

Levamos ele pro hospital Mãe de Deus e ficamos esperando, entre um cafezinho de 50 cents e outro. Umas quase 3 horas depois, vem ele. Enfaixado como uma múmia caribenha. Sorriu e disse “Tô vivo, gurizada”. Menos mal. Eu, confesso, fiquei comovido. O Gabrielzinho é um Gilberto Gil albino, às vezes não sabe o que faz.

Vida vai e vida vem. Derrubadas aqui e ali nos boliches da vida real... E pow! Lá se vai o do Agogô de novo. Desta vez foi atropelado por um policial civil a paisana. Segundo pontes e fontes, estava levemente inebriado (o policial, o Gabriel também, óbvio). O poliça fazia bicos de segurança na Tia Carmen, estava a caminho quando o rapazito surgiu na frente do seu carro. Esta vez foi complicado. Quase perdemos nosso maratonista. Caiu e ficou piscando feito um personagem que se vai em um vídeo game.

O pedal fincou suas panturrilhas, abrindo um corte mais profundo que seus pensamentos cotidianos. E mais uma vez quebrou o pé. Ficou de molho. Ensandecido. Visitei ele algumas vezes, outros também o fizeram. Gabrielzinho de bengala pra cá e pra lá. Reclamou da vida, descobriu alguns novos aplicativos de celular e cogitou a existência de um Deus maior.

Agora ele tá bem. Não usa capacete. Mas aderiu a uma bandana hipster. Talvez isto proteja um pouco mais. Na filosofia oriental dizem que os pés carregam informações de todo o corpo. Se é assim, nosso Gabrielzinho é um highlander. Então, que não lhe cortem a cabeça.


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Honório do Pastel e a compota de figo

O Honório poderia ser vereador e até mesmo prefeito, em qualquer município. Quanto mais aqui, no Porto dos Casais. Mas não quer saber de política. E nem precisa. Ele tem a melhor receita de pastel uruguaio de Porto Alegre. Sem frescura e mané “gourmetizações”. Bom pastel e boa prosa: fórmula perfeita do sucesso do meu amigo barrigudinho de nariz avermelhado. Já foi hippie e cabeludo. Mas se perde na malandragem com uma compota de figo.

Um dos primeiros amigos que fiz como nativo no bairro Cidade Baixa. Honório sabe de tudo. Sabe que o dono do Pingüim é o mesmo que do Só Comes, Pedrini e de um punhado de estacionamentos pelo vilarejo. Faz amigos de fé em menos de 30 segundos, mas não gosta de câmeras, condena o uso de dinheiro plástico e sabe que os outros pastéis são todos ruins.

Todo os dias ele come dois pastéis dos seus. Um saltenha (carne com pimenta especial) e outro de chocolate branco. Capricha na pegada do chimichurri, morde uma vez na borda, assopra e manda pra dentro. Mas neste dia, em específico, madrugada de sábado pra domingo, a lombra bateu forte. Comeu um cheese salada e depois meteu uma compota inteira de figo. Lambeu os beiço e ficou faceiro.

Não demorou muito e começou o revertério na sua pança. Internamente ele parecia um trem fantasma descarrilhado. Subiu e desceu várias vezes no pequeno banheirinho de sua pastelaria pra descarregar seu navio interior. A pressão começou a cair e o velho Honório suava frio. Baixou a grade e decidiu fechar a budega. Ficou só um velho conhecido lá com ele. Honório deitou no piso e falou “Chama a SAMU”.

Ficou até às 06h no postão da Vila Cruzeiro sendo atendido. Segundo a perícia, foi a compota de figo. Que sirva de aviso aos navegantes. Agora toda vez que eu vou comer um pastel no Honório eu digo “To com várias compotas de figo que ganhei lá em Estrela, não sei o que faço. Tu não quer umas? Eu trago pra ti”. O velho Honório se arrepia, nega e renega com a cabeça. Ficou com alergia. E quando eu vou embora eu digo pro meu velho amigo “Vai, mas não vai muito”.


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Os poetas do delírio popular

Pra arrecadar fundos pra minha formatura, o veraneio na Jamaica e comprar o meu tão sonhado Puma 77 em pintura tigrada tenho a receita perfeita. Vou lançar um livro de aforismos e frases com grandes pensadores brasileiros. Entre eles Pelé, Sartori, Marcos Feliciano, Bolsonaro, Xuxa, Luciano Hulk, Levi Fidelix, Adriane Galisteu, Luciana Gimenez, Mara Maravilha, Carla Perez, Galvão Bueno, Zé Bonitinho, Nelson da Captinga, Ronaldo Fenômeno, Dercy Gonçalves e grande elenco.
  Minha estimativa são os milhões de cópias. Vou ficar tão rico, mas tão rico, que vou abandonar meus bloquinhos de notas e usar cédulas de 20 e 50 para anotações. Ninguém ainda soube dar o devido valor a esta elite intelectual e pensante 100% tupiniquim. Segundo Adriane Galisteu, por exemplo, “Fui a última mulher da vida dele (referindo-se ao Ayrton Senna)”. Uma conclusão genial da nossa colega.
Nada como um “Brasileiro não sabe votar” dito pelo Pelé, em plena ditadura militar. Ou o pedido de calma para fazer protestos “Deixemos pra depois da Copa”. É isto aí. O legal de protestar é ter um calendário fechado com número de participantes, metas e tudo equilibrado no Excel. Senão é baderna.
Uma das minhas favoritas é a Dercy Gonçalves: “Não falo palavrões, falo o apelido que colocaram nas coisas”. Ou ainda “O país me conhece, o país grita : Dercy! Fala palavrão [eu grito de volta]: Vai tomar no cu! Eles morrem de rir”. Esta soube viver. Sabia o jeito.
Nos capítulos bagualinos que seguirão no meu livro de aforismos não poderá faltar o Sartori, nosso governador. “Transição é transição, por isto se chama transição”. Até um pouco antes desta afirmativa eu jurava que era o contrário. “Piso bão é lá na Tumelero”. E é verdade. Garantia é garantia em porcelanatos, o resto é intriga da oposição.
“Copa se faz com estádios. Não se faz com hospitais e escolas”, disse o nosso Ronaldo Nazário Fenômeno. Não sabe diferenciar uma mulher de um travesti, mas é muito bem orientado em política e deveres cívicos. Aqui no Brasil acho que poderíamos ir um pouco mais além. Colocar algumas linhas do SUS nos próprios estádios de Futebol. Ainda poderíamos integrar algumas escolas em salas nos redores dos clubes. Quando vê até dava pra climatizar o ambiente e colocar um wi-fizinho. Sejamos práticos.
Enfim, meus caros. Eu poderia passar horas aqui mostrando como estas frases tem sentido e dão ideias fundamentadas em nossas vidas. Não vou queimar meus cartuchos. Tenho que garantir meu pé de meia. Com a grana que sobrar da venda dos livro vou abrir um Instituto pra cuidar da calvície precoce que afeta milhões de brasileiros. Viva os poetas do nosso delírio popular.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Oi, eu também sou Charlie Hebdo

Todos viramos Charlie Hebdo desde a tragédia de ontem. Mais uma vez a intolerância ganha a guerra contra a tolerância. O fundamentalismo faz a liberdade de imprensa, de expressão e as diferenças, que nos tornam todos em comuns, em reféns. Até então foram 12 vítimas fatais no terrorismo aplicado no prédio do satírico jornal/revista, em Paris, na França.
Estrategicamente os cartunistas foram atacados por terroristas durante a reunião de pautas, a última de suas vidas. Consagrados entre os melhores cartunistas e ilustradores do mundo, entre eles Wolisnki, Tignous, Charb e Cabu. Os policiais que faziam segurança aos arredores do prédio também sofreram com a fatalidade. O fundamentalismo não perdoa ninguém. É soco no gogó e sal grosso nas vistas. São pedidos do profeta.
Vivemos todos o maior atentado terrorista nos últimos 50 anos na França. Vivemos, mas também morremos. O sentimento de perplexidade paira grudento no ar. É quase um ectoplasma trágico que todos sentimos. Uma revista de publicações satíricas, que combatia com humor o mal e a intolerância de todos os lados. Contextualizar os fundamentalismos sobre as liberdades individuais é utopia pura.
Nas últimas semanas houveram passeadas contra uma suposta ameaça de islamização na Europa. Mais uma vez a prova que temer não é remediar. Prevenir-se é ficar calado e aceitar o retrógrado pensamento fundamentalista.
Mas os mortos também falarão. A imprensa se tornará ainda mais crítica. Milhares e milhares de charges e cartoons foram feitos em protesto a este terrível atentado. Um tiro no pé do islamismo. Acharam que findariam uma guerra assassinando os cartunistas quando na verdade ampliaram dramaticamente a opinião de quem tentaram silenciar. Há liberdade sempre vai imperar. Somos todos zoom. 


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Tibúrcio: a lenda do Lobisomem estrelense

Nos bandeados de Estrela, interior do Rio Grande do Sul, a lenda de Tibúrcio é conhecida pelos mais antigos e passada pras novas gerações feito telefone sem fio do horror. Reza a lenda que ele era um sujeito pacato e comum. Tomava um Schnapps e fumava palheirinho. Dizia “Vamos lá, uma vez”, como todo Estrelense e até jogou nas categorias de base do clube da cidade. Quem sabe teria chegado ao Flamengo se não fosse um Lobisomem.
Dona Salete, minha mãe, uma nativa de Estrela que entrou em seu casamento com Lagunda Sunrise do Black Sabbath, conta que já encontrou o tal Tibúrcio em sua versão homem-lobo. Aos 22 anos morava no interior de Estrela, próximo a uma região de sítios e campos. Um dia voltando do trabalho da Prefeitura da cidade, à noite, ouviu um chacoalhar sinistro vindo de uma plantação de milho nas beiradas da estrada até sua casa. Olhou e não entendeu muito bem. Ao aproximar-se viu que era uma espécie até então desconhecida. Muito grande e muito peluda. Quase um primo Itt, da Família Adams. Era Tibúrcio. Tentava se secar após cair no lago da Ponte de Ferro.
Ela correu feito uma queniana com sinusite. Chorava e aos prantos chamava Vitor, pai do meu irmão, um dos chamegos que minha mãe teve ao longo de sua vida shakespereana. Mais assustado ainda ele a recebeu achando que tinha descoberto alguma desventura. Mas não foi nada disto. Duvidou e achou que minha mãe estava um pouco mais maluca do que o de costume.
Passou uma semana e foi a vez de Vitor conhecer o lado obscuro de Tibúrcio. Na mesma macega de milho o Lobisomem pulou e se agarrou em suas canelas. Ele gritava feito um Tarzan e tentava se arrastar e fugir das garras do Mogli selvagem. Chegou em casa e suas calças jeans pareciam franjas de japonas de cowboy. Ele ficou tipo a Mônica Leal quando viu o pessoal nu na Câmara dos Vereadores. Embasbaqueado.
Diversos sustos foram dados por Tibúrcio nos corners kicks do bairro Boa União, em Estrela. As pessoas chegavam a fazer BOs. Os Caça-Fantasmas negaram auxílio por trabalharem com outras demandas de casos sobrenaturais. O padre da cidade foi ao Vaticano pedir conselhos ao João Paulo II.
Antes do caso chegar ao FBI, a Brigada Militar de Estrela meteu esporas nos coturnos e se meteu na tal macega do Tibúrcio. Entre 4 ou 5 brigadianos conteram o bicho cabeludo. Colocaram numa gaiola e levaram pra DP o velho Tibúrcio aos uivos. Uivou tanto que uma hora encheu o saco do sargento Schmitt e eles o levaram pro pátio dos fundos da DP e deixaram-o lá feito vira-lata triste.
Ao amanhecer lá estava ele. O velho Tibúrcio. Pelado e com o tico mole pro lado. Assustado e apreendido. Seus dias de Lobisomem haviam terminado. Após isto nunca mais se ouviu falar dele. Pena que não tinha Smartphone nos anos 1980.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Sartori: o gringo degringola

Este gringo não é bolinho não, viu. Pra início de papo, começou aumentando o próprio salário e o de seus compadres parlamentares. Agora o subsídio mensal dos queridões será de R$ 26,9 mil, enquanto o vice-governador e camarás secretários terão acréscimo de 75% na remuneração atual. É um bingo político.
Agora a moda é deixar 4 mil novos concursados num demorado banho-maria. As áreas afetadas são principalmente as de Segurança e Educação. De acordo com o Diário Oficial serão 180 dias. A partir de quando mesmo? Este é o gringo que faz. Ele faz mistério.
Antes da saída, Tarso Genro atirou no colo do Sartori 650 aprovados da Polícia Civil. Uma tática muy petista. Quantos cabelos sobrarão na cabeça do Sartori até o fim da temporada? Ontem escrevi sobre jornadas capilares. Prevejo um governado mais careca até o fim do mandato. Mas não diria que será de “saber”.
Sejamos realistas, isto também é reflexo dos bigodes anteriores. O Tarso não foi um exemplo de governador. Ele também sabe disto. Seu mérito é a Secretária de Políticas para Mulheres, que foi absolutamente abolida pelo “gringo que faz”, o chorinho de desconto da dívida com a União e a queda no desemprego. O resto não foi nada além do dever. E “dever” foi uma palavra forte na sua jornada.
      O cheiro de arrocho e de medidas impopulares começa a ser expelido das cúpulas das reuniões secretas do gringo. Membros do PMDB, o partido trifásico, já mostram uma certa decepção. Vou parafrasear o gringo poeta “Transição é transição, por isto se chama transição”. Tá bom então.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Talvez eu fique careca

Talvez eu fique careca. Isto é um processo de aceitação que deve ser adotado antes das consequências. Não adianta tentar esconder, sempre fica pior. Viver é mesmo um prazer embriagador e vulgar. Ontem enquanto conversa com um amigo, entre uma birita e outra, analisávamos as nossas próprias possibilidades de encarecamento, entradas e redemoinhos tortos em cima de nossos cocos.
— Mas eu sempre fui assim — dizíamos.
Rimos feito hienas em versões Cheech & Chong enquanto imaginávamos as mesmas desculpas com as cabeças lustrosas e peladas. Já tá difícil de aceitar. A frase “Mas isto foi sempre assim” é algo que tenta reconfortar esta perda. O careca é sempre o último a saber de sua própria tragédia capilar. Ninguém vai te avisar da situação. Não existe uma orientação de penteado. Então o ideal é aproveitarmos bem o período cabeludo de nossas vidas.
Dizem que o John Travolta usa peruca. Se sabe que o Silvio Santos também. O mojo do Austin Powers também é capilarmente artificial. O problema não é aderir a peruca, mas sim que se descubra que você perdeu a própria guerra. A culpa é sempre do uso do chapéu, do boné ou da boina. Nunca é culpa do próprio cucuruto favelado.
Me avisem quando a situação estiver crítica pro meu lado. Já opero a aceitação. Aceito conselhos também para poupar minhas madeixas. De suco de tamarindo ao grão de linhaça. Talvez eu seja tipo um Cauby Peixoto do Jornalismo. Vou me orgulhar das pontas duplas e do meu grisalho. Mas eu posso ser uma espécie de “careca de tanto saber”. Aí eu vou ser uma espécie de Hunter Thompson tupiniquim. Ou um Saramago da obviedade intransigida. Eu to pronto com meu cucuruto pro que der e vier.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Rede Globo produções e o rodopio no caixão de Tim Maia

Tim Maia do Brasil, como ele mesmo se definia. Desde o filme a minissérie, esperada por fãs do síndico, tem mostrado um Tim drogado, irresponsável e inconsequente. Um dos maiores gênios, maestros e personas definidos pela Rede Globo, uma de suas maiores arquirrivais durante a vida, como um boçal.
Ontem passei na livraria Nobel e estava lá a reedição do livro do Nelson Motta “Vale Tudo: o livro que inspirou o filme”. Com uma capa nova, moderna e arrojada. Sequer ostentava uma foto original do próprio Tim Maia. A foto era do ator que o representou no longa-metragem. Deixou de ser “Valeu tudo: o som e a fúria de Tim Maia”.
O Nelson Motta é o tipo de lacerdinha oportunista contador de história. Seu legado familiar sempre o aproximou de grandes nomes da música. A biografia de Tim Maia não poderia ser ruim. Ele formou a própria lenda de si mesmo. Uma história de luta, determinação e paixão por blackmusic. O Nelson era camarada de Tim, produziu diversos shows para ele. Também teve um namorico com a Elis Regina, amor este difícil de ser superado em sua vida. Obviamente Tim Maia também se apaixonou por Elis. Mas não passou de amor platônico.
Ele senta em poltronas, com suas camisetas 100% de algodão, seus óculos escuros e conta a vida de qualquer um. Nelson sabe de tudo. Conseguiu, com muito esforço e influência, emplacar um e outro hit ao longo de sua carreira, que se abrilhantaram por outras vozes.
No filme e na minissérie da Rede Globo não vi o Tim Maia shakespereano da Tijuca, o lovehits maker, o cara que se apaixonou por uma cadeirante antes da viagem aos Estados Unidos e lhe prometera ficar rico e pagar a cura para que voltasse a andar. Se falou pouco do Tião marmiteiro, que trabalhava ainda pimpolho carregando dezenas de marmitas pra cima e pra baixo pela Tijuca. Não se falou do quanto Roberto Carlos foi influenciado por Tim. Sua primeira banda com ele foi os Sputniks, quando convidado por Erasmo. Tim Maia definiu Roberto como um rapazinho mais ou menos, mas esforçado. E entrou pra banda.
Não se falou do Tim Maia que juntava uma criançada desconhecida em sua casa e regava a vida daquela bonecada com sorvete, brinquedos e palhaçadas. Não ouvi falar também do filho adotivo de Tim Maia, que quase é mais original que o seu filho biológico, Carmelo Maia. Leo Maia é uma extensão do seu pai adotivo. Canta, ama e representa muito bem o Tim. Ele teria muito orgulho. Educou seus filhos sempre com trocas de favores. “Quer uma bola de futebol nova, meu filho¿ Então lava meu carro”. Não tinha arrego com o patrão da Vitória Régia.
Também não veremos nada do empreendedor Tim Maia. O primeiro a se libertar das garras venenosas das grandes gravadoras que lucravam em cima do talento alheio dando centavos por cada disco vendido aos artistas. Instaurou a Seroma Records e se tornou o primeiro artista independente do mainstream. Tim Maia chutava muitas bundas. Ele era o cara.
No plin plin não teremos o Tim Maia do Brasil. Ele deve estar rodopiando dentro do caixão. Coitado. “Me dê motivos”. Desejo boa sorte nas vendas da reedição do “livro que inspirou o filme”. Vale a pena. Vale Tudo. Não pelo Nelson Motta, tão pouco pela Rede Globo. Vale, vale: pelo som e a fúria de Tim Maia.